outubro 23, 2009

Como nascem as guerras?

Pâmella Passos

Como nascem as guerras? Essa é a pergunta que todo cidadão carioca, bombardeado nos últimos dias pela grande mídia deveria se fazer? Que a violência e o medo crescem, isso é fato, mas de onde eles vem?

Hoje, durante meu almoço, recorrentemente mal digerido devido as reportagens sensacionalistas de jornais como SBT-Rio, Balanço Geral (Record) e RJ TV, não pude terminar a refeição. Ela, a “Guerra contra o Tráfico” era anunciada em todos esses telejornais.

É verdade que infelizmente já assisti cenas mais chocantes nesses veículos de comunicação, como há algumas semanas a transmissão do desfecho de uma operação policial em que um atirador de elite da Polícia Militar, despedaça a cabeça de um bandido na Tijuca. No entanto, o que me fez parar de comer? O que me despertou dessa desumanização cotidiana na TV?

Não sei ao certo dizer, mas o fato é que o garfo caiu de minha mão quando um vídeo propagandeando o blindado Águia foi ao ar. A música, as cenas, as luzes...tudo, me lembrava as guerras do século XX. E como estas nasceram? Por que os homens daquela época aceitaram e lutaram nesta guerra que não era deles? Pensar sobre isso talvez nos ajude a decidir se acreditamos ou não nessa guerra.

O século XX foi marcado por duas grandes guerras mundiais, além da famigerada Guerra Fria e seus desdobramentos pelo mundo, como em nosso caso as ditaduras latino-americanas. No entanto, qual o motivo dessas guerras? Lembrando rapidamente das aulas de história na escola, reconhecemos a origem desses conflitos nas disputas imperialista, ou ainda, nas demandas do sistema capitalista.

Bom, para muitos esse é um discurso esquerdista e ultrapassado, no entanto poderíamos pensar. Quantos milhões de reais são movimentados pela economia do tráfico? Como a matéria prima das drogas, que não são produzidas nas favelas, chega lá? De que forma as armas importadas e de alta tecnologia entram no país e vão parar nas mãos dos traficantes, que disputam entre si o mercado das drogas?

Parece-me que nem o Caveirão nem o blindado Águia são capazes de responder a essas perguntas. No entanto, são eles que estão sendo arduamente defendidos pela política de segurança pública de nosso estado. Por que o grampo telefônico que captou a conversa de um traficante ensinando ao outro como usar uma arma, não captou também os nomes e endereços de seus fornecedores?

Após perder o apetite, resolvi reler alguns textos e acho que encontrei uma resposta plausível. Está no livro do O longo Século XX do doutor em Economia e professor de sociologia Giovanni Arrighi. Ao falar sobre o final da Segunda Guerra Mundial e a situação econômica do período ele diz:

Esse impasse acabou sendo resolvido pela invenção da Guerra Fria. O medo conseguiu o que os cálculos de custo-benefício não tinham como conseguir, nem haviam conseguindo. (p. 305)

A Guerra contra o tráfico movimenta a economia. O medo libera recursos públicos que poderiam ser investidos em saúde, educação, transportes para compra de Caveirões e Águias, e assim optamos por uma guerra que não é nossa, e sim do capital.

Em uma de minhas últimas aulas sobre a Primeira Guerra Mundial utilizei o seguinte fragmento de um soldado de trincheira:

O odor fétido nos penetra a garganta a dentro ao chegarmos na nossa nova trincheira... Chove torrencialmente e nos protegemos com o que tem de lonas e tendas de campanha afiançadas nos muros da trincheira. Ao amanhecer do dia seguinte constatamos estarrecidos que nossas trincheiras estavam feitas sobre um montão de cadáveres...

Este soldado dormiu sobre humanos mortos por uma guerra que não era deles. A cada dia que se passa nessa guerra propagandeada, mães, tias, sobrinhos, filhos, avós, amigos recolhem os corpos dos seus, e nos becos, ruas e vielas desta cidade ficam as marcas de uma opção pela morte.

Por isso, declaro: Esta Guerra não é minha! Desejo uma paz pela vida e por outra política de Segurança Pública.

Pâmella Passos
Profª de História do IFRJ
Doutoranda da UFF.

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