Do jornal O Globo: 25/01/09
Primeiro, eles procuraram as escolas. Depois, foram bater à porta dos psicólogos e psicanalistas. Agora, fracassadas todas as alternativas, pais aflitos se tornaram a mais nova clientela da Justiça. "Seu juiz,
trouxe o meu filho aqui porque não sei mais o que fazer" é a frase ouvida com frequência nas salas de audiência. De situações triviais, como o horário de voltar para casa, a o drama da dependência química, as famílias depositam no juiz a última esperança para o conflito doméstico.
E o fenômeno divide a magistratura: de um lado estão os juízes que acolhem e procuram resolver o problema, muitas vezes com sentenças duras; do outro, os que consideram o poder dos pais insubstituível.
Por bater nos irmãos mais novos, o jovem X., de 17 anos, está fora de casa há mais de dois anos. Em decisão judicial provocada pela própria mãe, que o denunciou à polícia em 2006 e cobrou providências da Vara da Infância e da Juventude da Capital, esse jovem de classe média, que morava na Tijuca, foi levado ao Programa Família Acolhedora da prefeitura e aguarda nova decisão sobre o seu destino.
Mãe mentiu para afastar filho de casa
Ao requerer ao juiz a internação do filho em clínica de reabilitação, por temer que ele voltasse a agredir os dois irmãos novos, a mãe de X. mentiu na sala de audiência, alegando que o rapaz seria usuário de drogas. A família tinha um histórico de agressões físicas e verbais que continuou, mesmo depois do divórcio dos pais e a separação forçada dos três filhos - o pai ficou com a guarda do mais velho e a mãe, com os dois mais jovens.
"O trabalho que fazemos aqui é muito mais social do que judicial", alega o juiz Marcius Ferreira, há um ano titular da Vara da Infância e da Juventude da Capital.
Ele enfrentou um caso semelhante - um jovem de 16 anos quebrou o nariz da irmã com um soco -, e conta que a mãe do rapaz se arrependeu por denunciá-lo depois de saber que o filho seria internado por decisão judicial.
Preocupada com o avanço do fenômeno, a conselheira Andréa Pachá, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), disse que a família antigamente era estruturada de maneira mais vertical, e a autoridade nem sequer era discutida.
"Já as novas famílias, resultado de sucessivos divórcios e novos casamentos, são mais democráticas e já não encontraram espaço adequado para impor limite. Essa demanda acaba chegando à Justiça e gerando distorções', lamenta.
Pais sem controle de menino de 10 anos
Algumas destas demandas são triviais. Aconteceu recentemente, durante audiência sobre a guarda de uma criança de 10 anos no interior do estado. Nenhum dos pais queria ficar com ele, pela incapacidade de educar o menino travesso e inquieto.
Diante da insistência da juíza de Família, o pai recuou. Mas impôs uma condição à magistrada: "Eu aceito o menino, mas desde que a senhora diga a ele o que pode e o que não pode fazer".
A juíza se negou a fazê-lo, alegando não se tratar de matéria jurídica.
Há outros casos em que, para evitar o desprazer de dizer não aos filhos, os pais preferem apelar para os juízes de Infância e Juventude, pedindo o aumento da classificação etária de eventos populares. Aconteceu, por exemplo, com Francisco Oliveira Neto, juiz da Infância e da Juventude de Santa Catarina e dirigente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
Francisco Neto alerta que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a aplicação de medidas contra os pais em conflito com os filhos. O Ministério Público, segundo ele, pode abrir procedimento para verificar o caso e a medida a ser aplicada para proteger a criança.
Na avaliação de Ruth Cohen, professora de pós-graduação em psicologia da UFRJ, os pais apelam para a Justiça porque os adolescentes cedem, cada vez mais, aos apelos do consumo. Segundo ela, o reconhecimento da autoridade está em declínio. "É uma situação geral que não ocorre apenas dentro das famílias. Detectamos em estudos que o problema envolve consumo. Todos passam a ser iguais diante dele. Os adolescentes têm a sensação de que não são diferentes dos adultos e pensam que podem tudo", explica.
A busca por recursos judiciais para resolver problemas da relação entre pais e filhos pode trazer bons resultados, de acordo com Ruth, mas não deve ser a única saída: "A figura do juiz tem valor semelhante à que era a do pai. Em outros tempos, a palavra do pai interditava a do filho. Sua função está sendo substituída porque a lei de respeito dentro de casa está frouxa, não tem mais a força que tinha outrora".
Ao procurar o juiz da Infância e da Juventude da capital para pedir que definisse "regras e limites" para a filha de 16 anos, o pai de Y. relatou que a relação com a menina sempre foi difícil porque ela não sabia "entender e acatar". Moradora de Vila Isabel, a jovem de classe média, que depois de abandonar os estudos se juntou com um homem 20 anos mais velho e envolvido em crimes, acabou conduzida pela Justiça a um abrigo municipal no ano passado. Hoje, vive com a avó.
A juíza da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso de Madureira, Monica Labuto, admite que não é função do magistrado resolver conflitos familiares de toda ordem. Segundo a juíza, a maior parte dos pedidos que recebe poderiam ser resolvidos nos conselhos tutelares, mas, por falta de estrutura, acabam sendo encaminhados para as varas.
Na tentativa de ajudar os pais, aplica medidas como programas educativos, profissionalizantes e artísticos. Também faz pedidos para intensificar a fiscalização em lan houses, onde crianças e adolescentes só podem entrar com autorização. "O juiz tenta resolver o problema familiar porque os conselhos estão
desaparelhados. Não têm sequer um telefone gratuito para denúncias de maus-tratos. Vejo também um despreparo emocional dos próprios pais em assumir a paternidade e a maternidade", diz.
A juíza Cristiana de Farias Cordeiro, da 2a Vara de Santa Cruz (Zona Oeste), concorda com a colega: "Chega a ser ridículo dizer aos pais: sejam pais".
Juiz de Cabo Frio monta força-tarefa
O crescimento de casos de famílias que procuram a Justiça para enquadrar seus filhos levou o juiz Carlos Sérgio dos Santos Saraiva, titular da 1aVara de Família da Infância, da Juventude e do Idoso de Cabo Frio, a fazer palestras preventivas nas comunidades do município para ouvir, aconselhar, orientar e "conversar muito".
Já em Petrópolis, 80% dos casos atendidos pelos conselhos tutelares, muitos deles encaminhados pelo Judiciário, estão relacionados a pais que perdem o controle sobre filhos.
O juiz Carlos Sérgio visita áreas carentes acompanhado por psicólogos, advogados, PMs e membros do conselho tutelar. Um dos casos atendidos envolveu o menor X., de 13 anos, filho do pedreiro Giordilei Ferreira da Silva. Como o pai mora sozinho com cinco filhos e sai para trabalhar, X. faltava às aulas e não o obedecia. Chegou a aparecer na escola com um revólver na mochila. Hoje, recuperado, ele cuida dos irmãos e não pode ficar na rua depois das 21h30m, conforme determina o termo de compromisso do Conselho Tutelar. "É uma questão de ordem pública. A maioria dos bailes funk e lan houses não possui alvará. Basta a prefeitura fiscalizar e fechar os
irregulares", defendo o juiz.
Em Campos, mãe acusa filho de roubar dinheiro
Em Petrópolis, a maior parte dos casos de conflitos entre pais e filhos que chega à Vara da Infância e da Juventude é encaminhada pelo conselho tutelar e pela Procuradoria da Infância e da Juventude. Somente no ano passado, o conselho da cidade registrou 444 atendimentos, sendo 80% deles relativos a pais que perdem o controle sobre filhos entre 11 e 16 anos.
Sem saber mais como conter a rebeldia dos dois filhos, pois já havia apelado ao conselho tutelar, a doméstica Suzana (nome fictício) recorreu à Justiça: "O meu garoto de 15 anos está igual a um marginal. Responde, grita, fala palavrões e já está me agredindo. Minha menina de 13 anos também está muito rebelde. O conselho tutelar diz que não posso bater neles, mas é melhor bater do que a polícia aparecer
dizendo que aconteceu alguma coisa ruim".
O comissário da Vara da Infância e da Juventude Marcelo Botelho já acompanhou muitas famílias. Antes de qualquer decisão do juiz Alexandre Teixeira, a família passa pela avaliação de uma equipe de assistentes sociais, psicólogos e comissários. O objetivo é a reestruturação.
Em Campos, o juiz Pedro Henrique Alvesa diz que a frase mais ouvida na Vara da Infância e da Família é: "Vim entregar meu filho ao juiz". Há ocorrências como a de uma mãe que foi denunciar o filho de 8 anos, o acusando de ser homossexual e de roubar R$ 1.800 que estariam em casa. Ao ver a insistência em entregar o destino do filho à Justiça, o juiz deu voz de prisão à mãe por crime de abandono.
"Essa história ilustra bem um novo modelo de família que causa nocivos efeitos colaterais. Era uma tentativa de descartar a criança, a família é de baixa renda e não teria esse dinheiro em casa. Isso é frequente e envolve todas as classes", disse.
fevereiro 04, 2009
Pais apelam a juízes para controlar filhos
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