Por Alessandro Cristo
Maria Tereza Sadek - Spacca
Na mesma medida em que cresce a demanda pela intervenção do Judiciário nos conflitos da sociedade, aumenta também o poder da Justiça no país. Esse poder, muitas vezes, pode ser um problema quando uma decisão que envolve centenas ou milhares de pessoas recai sobre os ombros de um único juiz. A desproporção é uma das principais distorções do sistema judicial brasileiro, de acordo com uma das mais respeitadas pesquisadoras de Justiça do Brasil, Maria Tereza Sadek, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo e diretora de pesquisa do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais. Ela já soma 20 obras publicadas sobre o Judiciário.
Para ela, decisões importantes, que envolvam um número muito grande de pessoas — como muitas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, ou do Rodoanel de São Paulo, que foram paralisadas por liminares da Justiça — não podem ser decididas por um único juiz ou em primeira instância, mas deveriam seguir imediatamente para os tribunais.
A Justiça brasileira passa por uma revolução, na opinião da pesquisadora. A expansão do Judiciário, frequentemente impulsionado pelo crescente acesso da população à Justiça, acabou com o boneco homogêneo que era o sistema e criou um complexo organismo formado por pessoas de diferentes sexos e classes sociais, que também têm uma visão mais crítica do próprio ambiente, o que tem alterado profundamente a jurisprudência. “Uma coisa é você ter o Judiciário com quatro ou cinco mil pessoas, todas com um perfil muito semelhante, vindos da classe média alta, da elite do país. Outra coisa é ter um Judiciário como nós temos hoje, com 14 mil juízes, completamente heterogêneo. Nós mudamos num intervalo de 15 a 20 anos. Isso é que é revolução para mim”, afirmou, em entrevista concedida à Consultor Jurídico.
Mas, se a Justiça avançou, o mesmo não se pode dizer do ensino do Direito nas faculdades. A professora identifica uma grande defasagem de noções de pesquisa e administração nos currículos, o que deixa os juízes em situação complicada diante da montanha de processos que têm de enfrentar todos os dias nos fóruns, e dificulta ainda mais o trabalho de controle de órgãos como o Conselho Nacional de Justiça, por exemplo.
Com pesquisas importantes também sobre o Ministério Público, Sadek considera-o uma das conquistas mais bem sucedidas do país. “Se o Brasil tem alguma jaboticaba, é o Ministério Público. Não há outro no mundo com a atuação na área cível que o nosso tem. Como instituição, ele assumiu o seu papel”, diz a professora. Ela reconhece, no entanto, a necessidade de uma forma de controle e responsabilização pelas denúncias feitas. “É fácil fazer denúncias, mas ninguém é responsabilizado se ela for vazia. O custo da denúncia é muito baixo, o que faz o benefício ficar mais interessante para quem denuncia”, afirma.
Entre suas pesquisas, estão estudos sobre o Juizado Especial e a Defensoria Pública e diagnósticos dos Ministérios Públicos Federal e dos estados e do Ministério Público do Trabalho. Leia abaixo a entrevista, da qual participaram também os jornalistas Lilian Matsuura, Márcio Chaer e Maurício Cardoso.
ConJur — Por que a Justiça se tornou tão importante no Brasil?
Maria Tereza Sadek — Temos um texto constitucional que nos impulsiona nessa direção. Nosso Judiciário foi construído na Constituição de 1988 como Poder de Estado. Esse Judiciário tem duas faces. Uma é de prestação de serviços, que é fazer aquilo que compete à Justiça fazer: garantir direitos, resolver conflitos, arbitrar divergências. A outra é a face política. Essa face política é típica de todo o arranjo institucional presidencialista. No caso brasileiro, isso se acentua porque temos uma Constituição muito detalhista e com uma gama de direitos enorme, direitos individuais e supra-individuais. E quanto maior for a Constituição, mais detalhista, mais específica, maior é a margem de atuação do Poder Judiciário. Além disso, nós temos duas competições grandes: uma é entre as instituições e outra é dentro de cada uma das instituições. Conflitos entre o Executivo e o Legislativo, quem é que arbitra? O Judiciário. Então, a pauta do Judiciário é enorme e todos os itens têm repercussão pública muito grande. Como você tem muitas mudanças, o Judiciário é chamado a arbitrar o tempo inteiro. A toda e qualquer exigência de reforma constitucional, o Judiciário entra.
Conjur — E daqui para frente?
Maria Tereza Sadek — A Emenda 45, que trouxe a reforma do Judiciário em 2004, acentuou ainda mais o protagonismo público do Supremo Tribunal Federal. Com a Repercussão Geral, o Supremo vai ser dono da agenda. Essa era uma coisa que sempre chamava a atenção quando o Judiciário brasileiro era comparado com o norte-americano. O Judiciário norte-americano é muito mais dono da agenda do que o nosso. O nosso era obrigado a tratar de tudo o que chegasse lá. Agora, nosso Supremo assume o papel de Corte Constitucional.
ConJur — Há quem diga que a estabilidade política e econômica do Brasil não se deve à classe política, mas ao Judiciário e, principalmente ao Ministério Público e aos advogados, como tutores do desenvolvimento econômico, social e do meio ambiente. Isso é um exagero?
Maria Tereza Sadek — Não. No Brasil há certa desconfiança da classe política. Se você olhar a história da legislação, você perceb como, cada vez mais, vai diminuindo a margem de discricionariedade do Executivo, e também do Legislativo. Quando a Justiça determina que se aplique determinado valor em educação, em saúde, ou que medicamentos sejam fornecidos pelo SUS [Sistema Único de Saúde], ela comprime a margem de discricionariedade. A outra face disso é que aumenta o papel de todas as instituições de Justiça: o Ministério Público, a Defensoria Pública e, sobretudo, o Judiciário, que é onde isso tudo vai desaguar. Um estudo feito pelo professor Matthew Taylor, do nosso departamento da USP, compara as atuações do Supremo brasileiro e do Supremo mexicano, ambos com estruturas semelhantes. Ele mostra que aqui há dez vezes mais respostas ou interferências do Judiciário do que no México. O desempenho dos ministros do Supremo tem sido muito pró-ativo.
ConJur — E isso é bom?
Maria Tereza Sadek — A nossa Constituição permite, instiga a isso. O ministro Gilmar Mendes leva isso tal como está dito, não está extrapolando. Alguém pode o acusar de estar indo além do seu papel, mas não existe vácuo na política. O vácuo deixado pelo Legislativo é ocupado pelo Judiciário. O que se está a discutir? Qual é a melhor democracia: a democracia majoritária ou a democracia constitucional, consorciativa? Isso não é uma discussão nossa, é do constituinte. Eu não gosto do intelectual que dá regras, como se ele tivesse um supersaber, uma sabedoria divina. Nosso papel é analisar, é fazer a crítica. Se nós achamos que algo está errado, temos que pressionar o Congresso para que sejam mudados a legislação, o modelo constitucional, o perfil das instituições. Essa é a mesma crítica que vocês fazem, por exemplo. Dou o Anuário da Justiça da ConJur para meus alunos lerem, porque eu não posso dizer quem é um ministro se eu não analiso os votos dele.
ConJur — Preencher esse vácuo, então, é uma obrigação do Judiciário?
Maria Tereza Sadek — Se ele não agir, ninguém faz. A questão das regras para a greve de servidores públicos decidida pelo Supremo é um exemplo. O assunto estava há vinte anos para ser discutido, mas isso não aconteceu. De um tempo para cá, virou moda acusar o Judiciário, como se ele fosse responsável pela insegurança jurídica. Pode ter uma variável pela qual o Judiciário tenha que responder, já que as decisões nem sempre são idênticas, e há outras que são contraditórias. Mas também existe uma grande profusão de leis no país. Isso não é culpa do Judiciário.
Conjur — E por que há essa diferença nas decisões?
Maria Tereza Sadek — O Judiciário cresceu enormemente. Há vinte anos eram quatro ou cinco mil juízes. Hoje são 14 mil. Uma coisa é você ter o Judiciário com quatro ou cinco mil pessoas, todas com um perfil muito semelhante, vindos da classe média alta, da elite do país. Outra coisa é ter um Judiciário como nós temos hoje, que, além de muito grande, é completamente heterogêneo. Nós perdemos a homogeneidade.
Conjur — Quais foram as maiores mudanças?
Maria Tereza Sadek — Em primeiro lugar, a presença feminina cresceu enormemente. Em segundo lugar, hoje o percentual de magistrados filhos de pai com escolaridade até primeiro grau é muito significativo, o que tem reflexos dentro da magistratura. Além disso, existe hoje um número muito maior de juízes que são críticos em relação ao Judiciário. Quando comecei a fazer minhas pesquisas, em 1993, o número de juízes que diziam que o Judiciário está em crise ou que não cumpre o seu papel era em torno de 15%. Atualmente são 90%. Nós tivemos uma mudança enorme num intervalo de tempo muito pequeno, isso tem que ser valorizado. Nos outros países, isso só aconteceu depois de cem anos. Nós mudamos num intervalo de 15 a 20 anos. Isso é que é revolução, uma transformação enorme.
Conjur — O Conselho Nacional de Justiça é uma resposta para o aumento expressivo do número de juízes?
Maria Tereza Sadek — É quem tem o controle público e saudável sobre os juízes. Há mecanismos internos — relativos, de certo modo — para controlar o primeiro grau. Hoje há um grau muito maior de denúncias populares sobre comportamentos de juízes tanto de primeiro como de segundo graus, além de tribunais. Nós temos um ministro sendo julgado [o ministro Paulo Medina, do Superior Tribunal de Justiça, julgado pelo STF], o que é inusitado no Brasil. Não sei se eu estou sendo otimista, mas o lado negativo todo mundo acentua o tempo inteiro, já o positivo ninguém acentua.
ConJur — Quais as iniciativas mais importantes do CNJ?
Maria Tereza Sadek — Primeiro, a questão de tornar público o desempenho do Judiciário. Se compararmos os dados que temos sobre o Judiciário brasileiro com os que existem em relação à América Latina ou à Europa, nós temos mais. É só comparar os dados no site do Ceja (Centro de Estudos de Justiça das Américas), em relação ao Brasil e ao resto da América Latina. O Brasil tem muito mais.
ConJur — Isso inclui São Paulo?
Maria Tereza Sadek — Não, São Paulo é outro problema. Mas o papel do CNJ é importante, por padronizar a forma como se recolhe essas informações. São Paulo era uma vergonha, colhia dados do primeiro grau de um jeito e do segundo grau de outro, os dados não se falavam. O crescimento no número de ações no estado tornou as coisas difíceis. Quando se fala de Justiça no Brasil, deve se separar a Justiça brasileira da Justiça paulista, que responde, sozinha, por 40% do movimento nacional de processos.
ConJur — Qual o motivo da dificuldade em lidar com dados estatísticos?
Maria Tereza Sadek — Basta olhar os currículos das faculdades de Direito. Eles não têm idéia do que é pesquisa, do que são números, de como se administra. Tanto o Judiciário quanto o Ministério Público, e provavelmente também a Defensoria Pública, acabam tendo que administrar sem ter tido sequer um treino. Usam o computador — quando usam — apenas como um processador de texto.
ConJur — E quanto ao acesso à Justiça?
Maria Tereza Sadek — Levando em consideração o cidadão comum, o Judiciário tem uma resposta para dar que não é devidamente explorada. Aí faço uma crítica muito forte ao Judiciário, em relação aos Juizados Especiais. O Juizado Especial é uma experiência excepcional, com outra filosofia, não mais adversarial, pelo contrário, mas a de se chegar a um acordo. O juiz tem um outro papel, muito mais ativo e menos formal. Só que esse sistema já está em crise. Ao mesmo tempo em que os Juizados Especiais têm uma movimentação maior do que a de uma vara comum, o número de juízes é reduzido. A maior parte dos tribunais não valoriza os Juizados Especiais, que são vistos como uma Justiça quase de segunda classe. A resposta para o acesso à Justiça já existe, só que não está sendo valorizada. A face de prestação de serviços de Judiciário deveria estar no Juizado, já que a Justiça comum está próxima da falência. Uma decisão final só sair depois de dez anos não é prestação de Justiça. O uso oportunista do Judiciário é muito forte, e isso deveria ser punido por má-fé. Pouquíssimos são os casos de litigância de má-fé que são de fato punidos.
ConJur — A estipulação de metas para os juízes é um caminho?
Maria Tereza Sadek — Claro, você não pode ter um juiz que dorme com a prateleira cheia. Todos temos metas, em todas as áreas.
ConJur — A súmula vinculante, a impeditiva de recurso e a repercussão geral podem melhorar esse quadro?
Maria Tereza Sadek — Sim, a movimentação do Supremo já caiu 40%, o que é para lá de significativo.
Conjur — A que se deve o acúmulo de recursos?
Maria Tereza Sadek — Começa na base, nas escolas de magistratura, nas faculdades de Direito. A maior parte das faculdades tem hoje cursos como havia há cinquenta anos. É necessário haver juízes com outra mentalidade. Hoje cada juiz é uma ilha, que se acha muito poderoso. O problema é que de fato ele é muito poderoso. Se você comparar um juiz com um parlamentar, um juiz tem muito mais poder. Ele é monocrático e, a rigor, não se submete a nada.
ConJur — O problema está no ensino, então?
Maria Tereza Sadek — O problema está na autonomia das decisões, algumas que não deveriam ser individuais. Não são as decisões judiciais que estão erradas, mas o sistema. Há um dilema terrível: o juiz tem que decidir se dá ou não dá um medicamento, se aquele indivíduo pode ou não pode ser internado num hospital. O dilema do juiz é a vida ou a morte de uma pessoa. Com frequência ele vai decidir pela vida e, do ponto de vista da atuação do juiz, ele está corretíssimo. Mas do ponto de vista da administração pública, isso fere não só o orçamento, mas também o que a maioria decidiu, na hora em que votou num determinado presidente, governador ou prefeito. Os eleitores disseram que aquele candidato tem o direito de saber como vai distribuir o escasso orçamento da saúde. Quando a Justiça interfere, está alterando esse orçamento. É preciso repensar o sistema como um todo. O juiz, ao fazer justiça para um, provoca conseqüências no coletivo. Se o dinheiro do coletivo é tirado para dar um supermedicamento a alguém, o coletivo é que não vai ter condições mínimas, que poderiam alterar a qualidade de vida de um grande grupo, como uma vacina, por exemplo. O juiz fica espremido contra a parede. É obrigado a olhar a coletividade, quando o que está na frente dele não é a coletividade.
ConJur — Como resolver isso?
Maria Tereza Sadek — Podemos mirar nos outros países, como Alemanha, França ou Inglaterra. A Inglaterra, que tem maior horror de ativismo judicial, resolveu isso. Essas questões não podem mais chegar no Judiciário, ou se chegam, são decididas por um grupo. Há um departamento que cuida especificamente disso. Também deveria haver a opinião de engenheiros, sanitaristas, médicos, em casos que envolvessem matérias técnicas. Um sistema deveria obrigar os juízes a esse procedimento.
Conjur — E a velha guerra de liminares?
Maria Tereza Sadek — A liminar, nesses casos, tem que ser coletiva. No PAC [Programa de Aceleração do Crescimento, do governo federal], diversas obras envolvendo milhões de reais estão suspensas devido a liminares. Não é razoável que um indivíduo sozinho diga que uma obra tenha que parar.
ConJur — O Judiciário ganhou visibilidade e, por conta disso, foi para a primeira página dos jornais, onde as coisas são vistas de uma maneira mais política e menos técnica. Os 150 milhões de técnicos de futebol agora viraram 150 milhões de juristas dizendo que o Supremo errou. O que aconteceu? Perdeu-se a cerimônia?
Maria Tereza Sadek — Por um lado é isso, mas o país está sofrendo muitas mudanças, e a entrada do Judiciário foi estimulada. Há quem diga que Montesquieu iria ficar horrorizado com a intromissão dos Poderes. Para mim, Montesquieu brigava com outra coisa. Ele dizia que o poder de julgar não é do rei, que tem que estar separado. O poder de julgar não é do poder privado, mas é do juiz. Tanto é que ele fala que o juiz é um ser anódino, ele é a boca da lei. É só no presidencialismo que o poder é divido ao máximo entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e isso entre os federalistas norte-americanos. Na Europa, o Judiciário era fraco. O poder saiu da mão do monarca e foi para o Parlamento. São duas lógicas completamente diversas. Mas Montesquieu ficou mistificado. Nos Estados Unidos, a abolição da escravatura só se deu com apoio do Judiciário, As questões de direitos civis, sobretudo do ingresso de negros, foram discutidas com a ajuda do Judiciário. Nosso modelo de democracia é consorciativo, então a minoria tem espaço no Judiciário. Pode perder uma votação na Câmara ou no Senado, mas não no Judiciário. Já o Judiciário não fala porque ele quer, mas porque é chamado.
ConJur — O Canotilho [José Joaquim Gomes Canotilho, constitucionalista português] diz que há quem queira culpar a Constituição por problemas que, na verdade, estão nas ruas, e que a solução desses problemas não está na Justiça, mas sim no próprio país...
Maria Tereza Sadek — A cultura tem que ser levada em conta. Se há uma cultura de impunidade, há também um relaxamento em relação às regras. Isso é um traço cultural. Só muda se houver uma política clara nessa direção, como aconteceu com o uso do cinto de segurança nos automóveis. Só uma minoria usava. A lei mudou o comportamento. No mundo inteiro, para mudar, tem de haver penas. Em Brasília, se o pedestre põe o pé na rua, todo mundo pára o carro. Aqui [em São Paulo], não se respeita sequer a faixa de segurança, mesmo quando o sinal está aberto para o pedestre. Porque essa diferença, se todos somos brasileiros? O motivo é a falta de uma educação, que vem não só com argumentos racionais, mas com sanção. Racionalmente, nós sempre soubemos que andar sem o cinto de segurança era perigoso e ilegal.
ConJur — O excesso de judicialização não é um problema da Justiça, é uma característica, um fenômeno do país, da sociedade. Como é que a professora analisa esse fenômeno da judicialização da política, da medicina, e de tudo mais?
Maria Tereza Sadek — Todo mundo acaba recorrendo ao Judiciário. Até para se saber como deve ser a mesa da Câmara é o Judiciário quem tem de resolver. Temos um excesso que deveria ser cortado pelo próprio Judiciário. Há questões que as próprias agências reguladoras tinham que estar resolvendo. Várias empresas também usam o Judiciário de forma indevida. Quando eu estava fazendo uma pesquisa sobre os Juizados Especiais, os serviços de telefonia eram os que tinham o maior número de queixas. As empresas, então, mandavam um representante ao Judiciário para fazer acordos. Isso não é coisa do Judiciário. Não é o cidadão, com dinheiro público, que tem que sustentar uma empresa que decide resolver na Justiça um problema que ela poderia solucionar na sua sede.
ConJur — O Legislativo tem o costume de, quando acontece um crime grave, aumentar penas. Isso resolve a questão?
Maria Tereza Sadek — Há estudos internacionais mostrando que não existe correlação entre o tamanho da pena e a medição de um certo tipo de crime. O que existe sim é uma correlação absolutamente positiva entre certeza de punição e diminuição desse tipo de delito.
ConJur — Mas isso joga responsabilidade ainda maior sobre o Judiciário.
Maria Tereza Sadek — Sobre o Judiciário e sobre um pedaço do Executivo que tem que tornar isso efetivo. Não adianta apenas haver lei. É aquela história da lei que pega e da que não pega. Para não pegar é só aprovar uma lei e não fazer nada para que ela se efetive. Mas se houver intenção de tornar uma lei efetiva, é necessário ter todo um aparato. A lei seca pegou porque tinha blitz, bafômetro.
ConJur — Então só pega com a atuação da polícia?
Maria Tereza Sadek — É assim no mundo inteiro. No Brasil, existe um preconceito em relação à atividade de polícia, que talvez se deva à época do regime militar, mas que é completamente sem sentido, a polícia existe para isso. Os homens não agem só pela razão.
ConJur — E o estranhamento entre a primeira instância e o Supremo, a que se deve?
Maria Tereza Sadek — São várias coisas agindo juntas. O caso das seguidas decisões de prisão do banqueiro Daniel Dantas anuladas pelo Supremo mostrou que as camadas da Justiça ainda não estão estáveis, mas ainda se movem uma sobre a outra. E houve algo novo também, que foi a associação entre o Ministério Público, e Judiciário de primeiro grau e a polícia. Antes, sempre víamos o Judiciário e o Ministério Público criticando-se mutuamente.
ConJur — A ansiedade para que seja feita justiça não coloca em risco valores mais duradouros, como a presunção de inocência e a liberdade? Não há uma comoção para que, como a rainha de copas, se mande cortar as cabeças?
Maria Tereza Sadek — Esse risco existe e é muito sério. É muito preocupante quando um juiz diz que ele quer fazer a justiça dele. A civilidade se mostra pelo respeito à lei, é a lei que manda. É necessário pensar num mecanismo de maior controle. Um juiz pode decidir numa direção e, embora a decisão possa ser alterada, isso pode levar muito tempo.
ConJur — Porque o Ministério Público cresceu tão mais do que a Defensoria Pública?
Maria Tereza Sadek — O Ministério Público, com esse formato, vem da Constituição de 88. Já a Defensoria Pública é da Emenda 45, de 2004. Eu tenho uma especial atração pelo estudo do Ministério Público porque o nosso MP é único. Eu costumo brincar que, se o Brasil tem alguma jaboticaba, é o Ministério Público. Não há outro no mundo com a atuação na área cível que o nosso tem. Como instituição, ele assumiu o seu papel, e tenta alargar sua área de interferência.
ConJur — E quais as limitações?
Maria Tereza Sadek — Falar de Ministério Público, assim como de Justiça, vai variar de estado para estado. Mas eu acho que você tem Ministérios Públicos muito atuantes. Na Procuradoria-Geral da República, por exemplo, depois do Geraldo Brindeiro [1995-2003], houve atuações muito firmes do procurador-geral da República, e contra o governo. O caso do mensalão é o melhor dos exemplos. A atuação do Ministério Público na área da promotoria da cidadania também é muito efetiva. O Ministério Público no Rio Grande do Sul tem uma atuação fantástica na área da improbidade administrativa. Isso acabou forçando uma cooperação com o Judiciário. Lá há Câmaras exclusivas para julgamento de prefeitos.
ConJur — O sistema de operações da Polícia Federal institucionalizou o consórcio entre polícia, Ministério Público e juiz criminal?
Maria Tereza Sadek — Pode ser, mas as últimas pesquisas de opinião que eu fiz no Ministério Público colheram comentários dizendo que o pessoal trabalhava, mas quando o processo chegava no Judiciário, era engavetado e esquecido. É a ideia de duas instituições em choque.
ConJur — O juiz é permeável à pressão da mídia?
Maria Tereza Sadek — A opinião pública pesa. Um bom exemplo é quando o Supremo faz audiência pública, o que é uma grande inovação. Ele quer a voz de especialistas. No caso de grandes questões, como as da reserva Raposa Serra do Sol ou do aborto de feto anencéfalo, é importante saber o peso da opinião pública. É uma abertura sem precedente do Judiciário, que não está na letra fria da lei.
Fonte: Consultor Jurídico
Texto alterado em 9 de fevereiro de 2009, às 15h12, para correção de informações.
fevereiro 11, 2009
Cada juiz é uma ilha e tem muito poder em suas mãos
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