agosto 26, 2008

TODA CRIANÇA TEM O DIREITO DE SER CUIDADA.

Por uma ampliação da licença, independente do sexo de quem cuida.

Há pelo menos quatro décadas, as mulheres vêm exigindo e conquistando reconhecimento e legitimidade na esfera pública, antes destinada exclusivamente aos homens, em uma sociedade histórica e culturalmente marcada pela dominação masculina.

Certamente, as transformações sociais inauguradas pelo feminismo ultrapassam os limites do corpo e da vida das mulheres, inscrevendo-se também em instituições (especialmente a família e o mercado de trabalho) e em narrativas masculinas. Contudo, infelizmente, parece que ainda mantemos em nossos corações e mentes uma forte dicotomia simbólica entre masculino-produção e feminino-reprodução.

Essa tensão se expressa de forma bastante clara nos textos das matérias jornalísticas veiculadas pelas diferentes mídias diante do fato de, finalmente, o presidente Lula ter, em suas mãos, a possibilidade de sancionar um projeto de lei que visa a ampliação da licença maternidade em nosso país, de 120 para 180 dias, inclusive para mães adotivas. Tem-nos chamado a atenção a forte resistência do setor produtivo que, a partir de argumentos tecidos com base em cifras (nem sempre muito precisas, é verdade!), alega que tal ampliação geraria graves problemas para os fundos públicos. É a ordem produtiva tentando orientar ou definir os rumos do exercício reprodutivo, entendido aqui para além da fecundação e gestação, incorporando, sobretudo, o cuidado infantil.

Por outro lado, nas ruas o que se ouve é certa simpatia a esta iniciativa do legislativo, tendo em vista que esta seria uma forma de reconhecimento da mulher como sujeito de direitos. Que fique claro: somos plenamente a favor de qualquer dispositivo jurídico que busca ampliar os direitos reprodutivos das mulheres.

Questionamos-nos, porém, se (e em que medida) esta mudança na lei é realmente um avanço. Se por um lado, comemoramos a conquista, por outro tememos que a base argumentativa que fundamenta esta iniciativa seja sustentada na premissa de que a reprodução seja uma atribuição exclusivamente feminina. Neste sentido, nos preocupa que a ampliação da licença maternidade passe a ser compreendida como mais uma forma de reafirmar que "lugar de mulher é na casa, cuidando dos filhos". Parece que nos esquecemos de que a licença é uma forma de garantir à criança o direito de ser cuidada, previsto há 20 anos, tanto na Constituição Federal como no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Neste sentido, colocamos uma questão: não seria mais adequada uma ampliação da licença, independente de que o cuidador seja um homem ou uma mulher?

Se queremos uma efetiva transformação do exercício reprodutivo é preciso reconhecer que num mercado competitivo as desigualdades de sexo e de gênero ainda são profundas e marcantes, pois muitas vezes convivemos com situações eticamente complexas como: diferentes critérios (não declarados) na seleção de postos em empresas; diferença de salários entre mulheres e homens; a garantia (ou não!) do direitos a educação infantil e creches públicas para trabalhadoras e trabalhadores; e a disparidade de dias entre a licença maternidade e paternidade entre outras, esta última relegada ainda a cinco dias consecutivos.

Em alguns países, a experiência da licença parental (aquela que pode ser negociada entre pai e mãe, em diferentes momentos dos primeiros anos do/a filho/a com vistas a garantir o direito da criança de ser cuidada) evidencia que, sim, é possível pensar que a igualdade de direitos entre homens e mulheres pode contribuir para uma transformação cultural e estrutural das relações entre as pessoas com garantia da equidade de gênero e justiça social.

Em tempo, somos plenamente favoráveis à ampliação da licença maternidade, como medida transitória, enquanto nosso legislativo formula uma proposta mais produndamente transformadora.


Rede de Homens pela Equidade de Gênero
Coordenação: Instituto PAPAI

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