agosto 18, 2008

França ficha jovens para identificar "futuros delinqüentes"

Europa
Domingo, 13 de julho de 2008

Lúcia Jardim
Direto de Paris

França ficha jovens para identificar "futuros delinqüentes"

Recém saídos da infância, jovens de a partir de 13 anos podem ser fichados pela polícia francesa desde a semana passada, numa medida que está provocando a fúria das organizações de defesa dos direitos

O decreto que autoriza o fichamento, publicado no jornal oficial de 1º de julho, estabelece que os menores de idade - individuais ou em grupos - "suscetíveis de prejudicar a ordem pública" poderão ter preventivamente registrados nos cadastros policiais dados como endereço, telefone, e-mail e características físicas e de comportamento.

A medida visa a catalogar os jovens envolvidos em casos de violência urbana, especialmente os que participam dos "émeutes" (revoltas) nas periferias de Paris.

Antes do decreto, os menores de idade só poderiam ser fichados se cometessem algum crime. O cumprimento da norma, denominada Edvige - Exploração Documental e Valorização da Informação Geral - é efetuado pela Direção Central de Segurança Pública, órgão que controla a violência urbana e os conflitos sociais, além de realizar a contagem de manifestantes.

A Liga Francesa de Direitos Humanos acusa o Ministério do Interior, responsável pela nova medida, de pré-determinar quem seriam os futuros delinqüentes, numa atitude precipitada, discriminatória e que, sobretudo, relaciona os jovens desde muito cedo a uma imagem negativa, o que seria determinante para a formação de caráter do futuro adulto.

Em nota à imprensa, a organização afirma que "não se trata mais de fichar os autores de infrações, mas, como para a detenção por segurança, de perseguir aqueles que são etiquetados antecipadamente como os futuros delinqüentes hipotéticos".

Até a Comissão Nacional de Informática e das Liberdades, ligada ao governo, vê a nova norma com reservas e emitiu um comunicado em que solicita que a medida seja adotada apenas em caráter excepcional e com uma duração de conservação específica.

O Ministério do Interior respondeu ao órgão com o argumento de que o fichamento se justifica pelas "mutações que afetam a delinqüência juvenil" e lembra que 13 anos é a idade de responsabilidade penal no país.

"Nós estamos confrontados a um aumento forte da delinqüência entre os menores de idade. Eles representam hoje 20% das pessoas investigadas em casos de delinqüência, então é preciso que a polícia nacional se muna de uma ferramenta de acompanhamento e de prevenção que considere este fenômeno", afirmou o porta-voz do ministério, Gerard Gachet.

O porta-voz precisa que serão utilizados os mesmos critérios do fichamento de adultos e como exemplo sugere um caso fictício de um jovem integrante de um grupo que insulta outro grupo ou uma pessoa específica na rua.

"Mesmo se neste dia ele não cometeu nenhum ato ou foi pego em flagrante delito, ele corre o risco, ao fazer parte deste bando, de ser levado a cometê-lo. Imaginemos que este grupo faça um ato grave. Nós seremos capazes de interpelar este jovem e de saber rapidamente se ele fez parte do delito ou se esteve fora", argumenta Gachet, para quem o novo recenseamento vai agilizar a ação policial.

Para a Liga Comunista Revolucionária, partido de Olivier Besancenot e que vem ganhando cada vez mais voz na esquerda francesa, a Edvige é "um elemento a mais na espionagem generalizada da população".

O partido exige a retirada do decreto e a destruição dos arquivos. Ao mesmo tempo, o Sindicato da Magistratura acusa o decreto de ser de "inspiração antidemocrática".

"Trata-se de informar o governo sobre determinados indivíduos, e não mais de analisar uma situação em um contexto político, econômico e social."

As reações contrárias, no entanto, não surtiram efeito, e o decreto já está em vigor desde o dia 3 de julho. A única concessão feita foi a garantia de que os arquivos criados serão de uso exclusivo da Edvige e não serão compartilhados com outros órgãos.

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