agosto 18, 2008

O cineclube chega à cadeia

16/08/2008 22:54:00

Documentário ‘O Veneno e o Antídoto’ é exibido para os presos da delegacia de Nova Iguaçu


Ana Miguez

Rio - O burburinho dá lugar ao silêncio, o público se posiciona — parte sentado, parte de pé — e os olhares se voltam para a tela. A sessão de cinema vai começar. Desta vez, será exibido ‘O Veneno e o Antídoto’, com direção de Estevão Ciavatta. O documentário mostra a procura da Colômbia por caminhos para a paz e a justiça, em meio a um conflito interno.

A cena, aparentemente, é comum, não fosse o local da exibição — a carceragem da 52ª DP, em Nova Iguaçu. Nessa noite de terça-feira, o público é formado por 200 presos mais alguns convidados — além de Ciavatta, lá estão os delegados Orlando Zaccone, titular da unidade, Tereza Pezza, da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher de Nova Iguaçu, o músico Marcelo Yuka, o juiz João Batista Damasceno e integrantes de Organizações Não-Governamentais.

O Cineclube Carceragem é um projeto idealizado pelo delegado Orlando Zaccone em parceria com Marcelo Yuka, que integra a Companhia Brasileira do Cinema Barato. A exibição do filme é seguida de debate entre o cineasta e os presos.

“Não é fácil falar para criminosos sobre combate à criminalidade”, observa Estevão Ciavatta, referindo-se ao tema central de seu filme, “mas cabe a nós acreditar que é possível recuperar essas pessoas”. O diretor, que já tinha entrado numa cadeia, mas apenas para filmar, considera importante iniciativas como o Cineclube Carceragem na recuperação dos presos. “O ser humano se adapta às situações mais adversas. Mas é menos difícil de se levar se ele se sente valorizado”, conclui.

“Essas pessoas estão presas porque desrespeitaram o direito dos outros e perderam tão somente o direito de ir e vir. Desrespeitar os demais direitos, dos quais elas não foram privadas, seria nos colocar na mesma situação em que elas se encontram — à margem da lei”, acrescenta o juiz João Batista Damasceno.

O filme pára: chega o alvará de soltura

A exibição de ‘O Veneno e o Antídoto’ foi interrompida uma vez “por um motivo justo”, como disse o delegado Orlando Zaccone — três alvarás de soltura tinham acabado de chegar à delegacia de Nova Iguaçu.

À comemoração, seguiu-se uma espécie de ritual impressionante, pelo menos para os convidados. E, por alguns minutos, ensurdecedor, com gritos misturados às palmas.

Na cela onde o documentário foi exibido, estão os presos ligados à facção criminosa Comando Vermelho. E lá as coisas são ‘organizadas’, do ponto de vista dos presos.

Um de cada vez, quem recebeu o direito de deixar a cadeia postou-se de frente para os demais presos, disse, ou melhor, gritou, o nome, o crime pelo qual está sendo acusado e ‘lemas’ usados pela facção criminosa. Naquela noite, o ritual foi repetido três vezes. Depois disso, o documentário pôde voltar a ser exibido.

NA COLÔMBIA, DISPUTA POR TERRITÓRIOS
Produção da Pindorama Filmes e do Grupo Cultural AfroReggae, o documentário ‘O Veneno e o Antídoto’ mostra como a Colômbia enfrentou a violência urbana em suas maiores cidades. São os casos de Bogotá e Medellín, que até os anos 90 eram citadas como exemplos de violência urbana e que na última década conseguiram combater a criminalidade, reduzindo drasticamente o número de homicídios.

Em abril de 2007, a equipe do documentário visitou o país e encontrou, em pequenas cidades e no campo, grupos paramilitares, a guerrilha e forças do governo travando disputas por territórios. São mostrados também os ‘desplazados’ — refugiados internos — e as Comunidades de Paz, que adotaram a neutralidade.

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