agosto 26, 2008

Queda de preconceito não reduz rejeição de crianças adotadas

Candidatos a pais estão menos exigentes, mas devolução ainda é comum; para psicólogos, falta preparo para adotar.

Devolução é crime quando acontece após período estipulado pela Justiça; em Itaquera, uma criança foi devolvida oito anos depois

CÍNTIA ACAYABA
THIAGO REIS
DA AGÊNCIA FOLHA


Apesar de o número de adoções no Estado de São Paulo ter aumentado e a restrição dos pais adotivos a características das crianças ter diminuído, um fator ainda preocupa especialistas da área: a devolução.

Não há dados disponíveis sobre a prática -que, após a fase de convivência ou estágio determinada pelo juiz, é considerada crime de abandono.

Levantamento feito pela Folha em Varas da Infância e da Juventude da capital mostra, no entanto, que devoluções não são incomuns. Em Itaquera (zona leste), por exemplo, ocorreram oito casos nos últimos dois anos -dois deles depois de deferida a sentença de adoção.

Na Vara de Santo Amaro (zona sul), foram dois casos apenas em 2007; em Pinheiros (zona oeste), outros dois. No Tatuapé (zona leste), uma criança foi devolvida duas vezes.

Por outro lado, o preconceito na hora de adotar diminuiu, segundo pesquisa da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional de São Paulo. Caiu de 49% para 31% do número de pretendentes que exigiam que a criança fosse branca, entre 2005 e 2007. No período, cresceu de 21% para 28% o número de pessoas para quem a cor é indiferente.

'As devoluções ocorrem porque os pais sonham com algumas coisas que não se efetivam. É o mesmo com casamentos e namoros. Eles acham que vai dar certo, mas depois não estão preparados', diz o juiz Reinaldo Cintra, da Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça.

Para assistentes sociais ouvidos pela reportagem, a maioria dos casos ocorre na transição para a adolescência. Em um dos casos em Itaquera, a mãe adotiva resolveu, após oito anos, devolver o menino, já com 12 anos. Em outro caso na zona leste, a Justiça determinou que a mãe pagasse pensão ao filho após a devolução.

Falta de preparo
Para a psicóloga Lídia Weber, da UFPR (Universidade Federal do Paraná), a falta de curso preparatório para pessoas que pretendem adotar explica essas atitudes. 'Em países de primeiro mundo, é obrigatório passar por cursos de seis meses a um ano ou mais. No Brasil, isso praticamente inexiste'.

Segundo ela, houve um caso de uma menina que foi adotada por um casal do Rio de Janeiro e devolvida após os dois descobrirem que ela tinha HIV.

Maria Antonieta Motta, coordenadora do Gaasp (Grupo de Apoio à Adoção de São Paulo), diz que, com o trabalho dos grupos de apoio, formados por pais adotivos, pretendentes e especialistas para discutir questões da adoção, os pais adquirem uma consciência maior. 'O problema é que a grande maioria não participa.'

A psicanalista Maria Luiza Ghirardi, da USP, acaba de defender dissertação de mestrado em que aponta fatores de risco para devolução de crianças após a adoção, como quando o ato é movido por altruísmo. Diz que é importante analisar os candidatos, para identificação de algo que possa atrapalhar o processo no futuro.
Em 2006, foram feitas 4.144 adoções no Estado; em 2007, o número saltou para 4.695. Nos primeiros seis meses deste ano, houve 2.455 adoções.

De acordo com Cintra, a adoção é um ato irrevogável. Por isso, diz, a devolução só pode ocorrer no estágio de convivência quando a criança é entregue ainda sob guarda.
'Nesse intervalo, a equipe técnica faz visitas para ver como estão os vínculos afetivos entre a criança e os pretendentes. Se a coisa está transcorrendo de forma natural, o juiz dá a sentença de adoção. Aí tem que ser para sempre.'

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