A resolução do CFM é clara. É da preservação do campo de trabalho médico e do mercado de saúde que trata o projeto 7.703/2006
MUITAS MANIFESTAÇÕES contra e a favor do projeto de lei 7.703/2006, mais conhecido como "ato médico", estão sendo maciçamente divulgadas nos diversos meios de comunicação, mas poucos têm falado sobre a essência desse projeto: trata-se, na realidade, da regulamentação do mercado de saúde, e não da regulamentação da medicina, como querem fazer crer.
Segundo os defensores desse projeto de lei, há a necessidade de regulamentar a profissão, que seria a única dentre as demais da área que não está devidamente regulamentada. Será? A medicina foi uma das primeiras profissões a serem regulamentadas no Brasil, já em 1808, com o decreto imperial que fundou a primeira escola de medicina no país e que, a partir daquele momento, estabeleceu também as diretrizes dessa profissão. Em 1826, regulamentou-se a exclusividade de licenciatura às escolas de medicina. Em 1830, foi fundada a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, que, entre as várias incumbências, estabelecia as normas para o exercício da medicina.
Nos anos que se seguiram, foram editados vários outros decretos e leis, até que, em 13 de setembro de 1945, editou-se o decreto-lei 7.955 (posteriormente substituído pela lei 3.268, de 1957), que criou os conselhos federal e regionais de medicina.
Portanto, fica evidenciado que a profissão de médico há muito é regulamentada, já que o pré-requisito básico para a criação de um conselho profissional é a existência legal daquela profissão.
Então, por que regulamentar algo que já é regulamentado? A resposta para essa pergunta encontra-se na resolução 1.627/2001 do Conselho Federal de Medicina, que explicita os verdadeiros motivos da tão empenhada luta pela regulamentação da profissão: "considerando que o campo de trabalho médico se tornou muito concorrido por agentes de outras profissões (...); considerando que, quando do início da vigência da lei 3.268/57, existiam praticamente só cinco profissões que compartilhavam o campo e o mercado dos serviços de saúde (...)".
As frases compiladas da resolução 1.627/2001 do CFM, que deu origem ao projeto de lei do ato médico, falam por si só. É da preservação do campo de trabalho médico e do mercado de saúde que trata o projeto 7.703/2006. Temos lido e ouvido discursos nobres pela qualidade da saúde pública e da assistência de saúde à população.
Todas as profissões de saúde buscam por isso, mas sem reserva de mercado e dentro de suas competências. Uma vez que o projeto estabelece que o acesso aos serviços de saúde oferecidos pelas diversas profissões só poderá acontecer após uma consulta médica (é o que diz as linhas e entrelinhas do projeto de lei), os custos financeiros e sociais se elevarão de maneira geométrica.
Haverá uma pressão enorme pela elevação da remuneração médica. Planos de saúde repassarão aos usuários as novas despesas, encarecendo suas mensalidades. As consultas particulares sofrerão aumentos, pois, como qualquer outro serviço ou produto, os serviços médicos não escapam das leis de mercado.
Já a saúde pública, que, apesar de continuar trôpega, melhora seus índices a cada ano, sofrerá um golpe mortal, pois grande parte das políticas públicas interdisciplinares elaboradas nos últimos anos pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Saúde será destruída se esse projeto de lei for aprovado no Senado.
A assistência de saúde ficará refém daquele tipo de corporativismo que não mede esforços para fazer prevalecer seus ideais. Será que devemos desconsiderar a evolução técnica e científica que as profissões da saúde conquistaram em todos esses anos? Será que devemos esquecer sua contribuição para o desenvolvimento da assistência da saúde no país em benefício de uma única profissão?
Devemos lutar para que esse projeto de lei seja modificado em alguns aspectos, visando à preservação da autonomia das profissões de saúde. Não sendo possível sua modificação, que seja rejeitado pelo Senado Federal, pois sua aprovação, da maneira em que se está, trará prejuízos aos profissionais da saúde, para a população de menor poder aquisitivo e para aqueles que dependem da assistência pública de saúde.
ALCEU EDUARDO INDALENCIO FURTADO, fisioterapeuta, é secretário-geral da Associação de Fisioterapeutas Acupunturistas do Brasil e diretor regional do Sindicato Catarinense de Fisioterapia e Terapia Ocupacional.
FONTE: Folha de São Paulo, OPINIÃO, 24 de novembro de 2009.
novembro 25, 2009
ATO MEDICO
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