"Conversa Afiada" debate testes psicológicos na III Mostra
Inaugurando um novo formato de atividades, o CRP-RJ promoveu, no terceiro dia da III Mostra Regional de Práticas em Psicologia, a “Conversa Afiada”. Os psicólogos José Novaes (CRP 05/980), conselheiro-presidente do CRP-RJ, Pedro Paulo Gastalho de Bicalho (CRP 05/26077), conselheiro e presidente da Comissão Regional de Direitos Humanos (CRDH) do CRP-RJ, e José Rodrigues de Alvarenga Filho (CRP 05/36271), colaborador da CRDH, foram convidados para, em uma conversa informal, debaterem “Direitos Humanos sobre o crivo dos testes psicológicos: validade e fidedignidade em questão”.
Dando início à atividade, Pedro Paulo explicou que o tema foi trazido devido aos 10 anos da Resolução 001/99 do CFP, que aborda a diversidade sexual. “Essa resolução veio em um momento em que foi criada uma clínica, no Espírito Santo, para ‘curar’ homossexuais. Apesar de receber várias denúncias, o CFP não podia fazer nada, pois não havia uma resolução que proibisse. Então, a resolução dizia duas coisas: a Psicologia, oficialmente, não entende a homossexualidade como doença ou perversão, e nós, psicólogos, não podemos ter nenhuma fala nesse sentido”.
A abordagem desse tema a partir dos teste psicológicos foi escolhida devido à existência de um teste, o PCLR, que vai contra essa resolução. “O PCLR é uma versão brasileira da Escala Hari norte-americana, que mede o grau de psicopatia. Esse tese mede 20 critérios, cada um pontuando de 0 a 2. O fato de a pessoa marcar a partir de 23 pontos significaria que ela tem algum grau de psicopatia. E três desses critérios passam pela sexualidade. Ser homossexual seria um indicativo de patologia. Além disso, ter mais de três parceiros sexuais em 12 meses rende dois pontos. Ou seja, o PCLR, aprovado pelo Sistema Conselhos em 2004, contraria a própria Resolução 001/99”.
O conselheiro ressaltou que o CRP-RJ levou como pauta da Assembleia das Políticas, da Administração e das Finanças (APAF) de dezembro de 2008 a desregulamentação do PCLR. “A primeira ‘saia justa’ que colocamos foi o estranhamento por o mesmo Sistema Conselhos que tem a Resolução 001/99 ter o PCLR. A segunda foi colocar em questão o próprio funcionamento do Satepsi (sistema que agrega os testes psicológicos aprovados pelo CFP). E a terceira saia justa é o que nós entendemos como validade e fidedignidade dos testes psicológicos. A estatística não deve ser o único saber que atravessa o campo desses testes”.
José Novaes, em seguida, ressaltou que, apesar de o PCLR estar em questão, há outros problemas com relação aos testes psicológicos. “As regras e critérios utilizados pelo Satepsi para permitir o uso de testes são meramente técnicos, é psicometria pura. Qualquer apreciação teórica, ética ou política fica de fora. Por isso, não é de se estranhar que tenhamos um teste que mede a psicopatia a partir da identidade sexual. Da mesma forma como temos testes que medem a ‘hiperatividade’ em crianças e as dopam com Ritalina, numa lógica psiquiátrica e biologizante”.
José Rodrigues começou sua fala com a letra da música “Procissão dos retirantes”, do movimento dos Trabalhadores Sem terra (MST). A canção versa sobre a desigualdade social e econômica no país, trazendo trechos como “Eu não consigo entender / que nesta imensa nação / ainda é matar ou morrer / por um pedaço de chão”. O psicólogo avaliou, então, os direitos humanos em face dessa desigualdade.
“Temos que colocar em análise o fato de parte da população ser colocada como ‘humana’, tendo direitos, e outra como ‘sub-humana’, para quem só há ‘porrada e morte’”.
Os convidados abriram o debate para a plateia. A conselheira do CRP-RJ Ana Carla Souza Silveira da Silva (CRP 05/18427) trouxe sua experiência no campo público. “Fico me perguntando para que serve o teste psicológico. No campo público, ele praticamente não é usado, pois esse instrumento fala de uma política não pública. O público pressupõe o acolhimento e o teste não acolhe o sujeito, mas cria uma situação de desconfiança desse sujeito”.
A também conselheira Eliana Olinda Alves (CRP 05/24612) abordou o Depoimento Sem Dano (DSD), prática que propõe uma escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência por psicólogos e assistentes sociais não de forma a acolher esses jovens, mas a servir de intermediário para que o juiz possa interrogá-los. “Somos contra o DSD, pois não acreditamos que o psicólogo possa se colocar no lugar de descobrir a ‘verdade’. Por isso, criamos no CRP-RJ um grupo de trabalho que se aproxima da Rede de Proteção à Infância da Baixada Fluminense e discute muito esse tema”.
A psicóloga Esther Arantes, colaboradora da CRDH, completou esse pensamento afirmando que “o psicólogo tem sido colocado como instrumento. Essa colocação é, muitas vezes, o que gera emprego. E os psicólogos ficam com medo de não fazer o que lhes é demandado e serem demitidos. Como escapar disso e dizer: ‘esse não é o lugar da Psicologia, isso não é ético’?”.
José Novaes concordou com essa dificuldade, mas afirmou que é possível escapar dessas demandas. “Conheço o caso de uma psicóloga da área jurídica que, em seu laudo, colocou as informações que julgou necessárias para o juiz tomar sua decisão. Mas ele a pressionou para passar mais informações e a ameaçou de prisão caso ela não acatasse. Ela manteve sua posição e ameaçou denunciá-lo à Corregedoria de Justiça. Ele, então, recuou. Mas será que todos os psicólogos têm essa coragem?”, concluiu.
Texto: Bárbara Skaba
FONTE: CRPRJ
julho 29, 2009
III Mostra Regional de Práticas em Psicologia
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