junho 05, 2009

País aplica em saúde mental menos da metade do recomendado pela Organização Mundial da Saúde

Renata Mariz

O dinheiro gasto na área mental no Brasil está muito aquém do que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda como razoável. Para atender o percentual mínimo de 5% que a entidade internacional sugere, seria necessário dobrar a quantia de R$ 1,2 bilhão aplicada em 2007 pelo governo federal. O valor correspondeu a apenas 2,43% de todo o orçamento do Ministério da Saúde naquele ano. Os dados de 2008 não foram divulgados pela pasta, sob a alegação de que ainda estão sendo fechados. Segundo Pedro Gabriel Delgado, coordenador nacional de Saúde Mental, a ideia é chegar a 4% em três anos. “Esse é o desejo da nossa área, mas tudo que envolve recursos depende de outros fatores”, conforma-se.

Se o ritmo de incremento na verba for igual ao verificado entre 2002 — depois da entrada em vigor da lei que orienta a política pública na área — e 2007, a pretensão de Delgado deve ficar mesmo só na vontade. É que, nesse período, os investimentos subiram da proporção de 2,19% (em relação a todo o orçamento do Ministério) para 2,43%. Ou seja, um aumento de 0,24% em oito anos.

A grande mudança verificada nesse intervalo de tempo está na destinação do dinheiro. O montante aplicado em sistemas hospitalares caiu de 75% da verba para 36%. Enquanto o gasto em serviços comunitários, extra-hospitalares, subiu de 24% para 63%. O dado, considerado um avanço dentro do Ministério da Saúde, que preconiza a redução de leitos no país, tem outras interpretações.

Não somos contra a expansão de Caps (Centros de Atenção Psicossocial), leitos em hospitais gerais, ambulatórios, mas essa reforma está punindo os hospitais psiquiátricos, com repasse de diárias (pelo SUS) em torno de R$ 25. O resultado é a falta de atendimento para grande parte de usuários. E os que conseguem têm serviços com padrões baixos de qualidade”, ressalta Sérgio Tamai, diretor do Departamento de Saúde Mental da Santa Casa de São Paulo e membro da Comissão de Acompanhamento da Política de Assistência Psiquiátrica no Brasil da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

Asfixia
O Hospital Lopes Rodrigues, em Feira de Santana (BA), recebe em média R$ 29 como diária repassada pelo governo federal para cada um dos 243 pacientes que se tornaram moradores da instituição — alguns porque precisam da internação, mas a maioria devido ao abandono da família. “Esse dinheiro é usado para custear alimentação, medicação, espaço físico e funcionários. Ou seja, temos dificuldade para cobrir os gastos”, afirma Sérgio Vianney, coordenador do setor de estatística da unidade.

A instituição, que recebe recursos adicionais da Secretaria Estadual de Saúde da Bahia, administrou R$ 1,5 milhão em 2008, contando os gastos com o atendimento externo que disponibiliza, incluindo internações de curta permanência, consultas, emergência e serviços para o público infanto-juvenil. O Sanatório São Paulo, em Salvador (BA), credenciado ao SUS, cogita fechar as portas se o financiamento não aumentar. “Estão asfixiando os hospitais psiquiátricos. Mas não pensam nos pacientes que simplesmente não têm para onde ir”, diz Jurema Pires, uma das proprietárias da clínica.

Marcus Vinícius Oliveira, membro da Luta Antimanicomial e professor da Universidade Federal da Bahia, também faz críticas ao financiamento. Mas por razões contrárias. “Embora tenha havido uma mudança no perfil dos gastos, é grave que os 37 mil leitos existentes ainda consumam parte considerável do orçamento do Ministério da Saúde. É preciso fortalecer a rede aberta”, afirma o psicólogo.

Dentre as ações do Ministério da Saúde na área mental, os hospitais psiquiátricos e serviços relacionados diretamente aos Caps consumiram pouco mais de 50% do orçamento de 2007. Os programas com baixo investimento que chamam atenção são as residências terapêuticas, nas quais os gastos não ultrapassaram os R$ 13 milhões — menos de 2%. Programas específicos de álcool e drogas também aparecem como uma área esquecida financeiramente. As duas rubricas relacionadas à dependência química não chegaram a receber, juntas, sequer R$ 1 milhão.

Outros países
Estudo da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com outras entidades médicas, mostra que em países desenvolvidos o gasto com saúde mental chega a ser o quádruplo do que o Brasil aplica. No Canadá, de acordo com o levantamento realizado em 2006 pela ABP, são investidos em média 11% do orçamento total da Saúde, numa rede bem organizada em três níveis: cuidado primário, secundário e terciário. Esse último diz respeito às internações, voltadas para os pacientes graves.

A Inglaterra aparece como outro exemplo de país que aplica recursos consideráveis na área. Lá, aproximadamente 10% do total da verba da Saúde vão para os serviços mentais, com foco na atenção primária, para prevenir o agravamento de distúrbios. Os Estados Unidos investem em média 6% do orçamento, segundo o estudo, mas existem fontes alternativas, provenientes de seguros de saúde, que não foram contabilizadas.
Fonte: Correio Braziliense

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