abril 08, 2009

A Saúde e o Sentido Para a Vida

EDITORIAL
Jorge Márcio Pereira de Andrade

Um sábio escritor/aviador/filósofo, Antoine de Saint-Exupéry,nos deixou como legado, para além do Pequeno Príncipe, um alerta sobre a necessidade de que busquemos um Sentido para a Vida. Ele nos indicou o caminho quando, em seus livros Terra dos Homens e Um Sentido para a Vida, nos disse: "De que estamos nós precisando para nascer para a vida? Precisamos nos dar. Sentimos que o homem não pode comunicar com o homem senão através de uma mesma linguagem.... Quando nos encaminharmos na direção boa, aquela que tomamos na origem, ao despertamos do barro, somente então seremos felizes. Só então poderemos viver em paz e morrer em paz, porque o que dá um sentido à vida dá um sentido à morte".

Necessitamos, hoje, no mundo do medo líquido e das vidas desperdiçadas ou da vida nua, urgentemente de uma nova linguagem universal. Necessitamos todos de uma Nova Saúde, a moda de Nietzche e Walt Whitman. Necessitados estamos todos e todas de um sentido para nossas vidas.

Hoje, dia 07 de abril, se comemora o Dia Mundial da Saúde. Amanhã o que comemoraremos? o desaparecimentos das 'novas pestes e epidemias? o fim de nossas 'não-visões brancas'? o surgimento de novos meios biotecnológicos de controle das mortalidades e do sofrimento humano? ou o enriquecimento e dignificação da vida humana com novos princípios éticos e bioéticos?

Digo que sem a última resposta de nada valerá uma resposta às indagações anteriores. Senão, gananciosamente, os proprietários/empresários da Sáúde nos anunciarão/
venderão uma falaciosa "descoberta" de um novo modo de Viver e Morrer, inclusive com as frequentes violações de todos os princípios sobre pesquisas em seres humanos. Isso, diante da nossa alienação, se não prestarmos atenção, com urgência, para a produção do que chamo de Vulneração/Expropiação da Vida.

Hoje é dia de exclusão. Sim é dia de exclusão 'saudável' no Big Brother. E se estamos todos aguardando o próximo 'milionário' e seu 'milhão', que dizem ser escolhido por nós, continuamos também assistindo a terra, a gaia, tremendo e nos anunciando novas e italianas e universais mortes, bem como novas lágrimas em olhos afegãos e/ou africanos ou nordestinos. A nossa atual sensibilidade para o sentido Universal da Vida tem, na banalização das violências, tornado , a cada dia na Idade Mídia, um modelo de viver. Nos estão afirmando, economicisticamente, que 'vale tudo' para vencer entre os muros, sob as câmeras e teletelas, com uma visão naturalizadora de um panóptico olhar de milhares de nós-espectadores.

Estamos comemorando hoje a saída de nossos 'irmãos' ou 'irmãs' do Big Brother. Estaremos, então, felizes por nos identificarmos projetivamente com o Vencedor(a). Porém ,em seguida, quando um pequeno indiano nos ensinar como 'ganhar o primeiro milhão e nos tornarmos todos milionários', ainda assim estaremos cativos de um medo fundamental: " o medo de ser pinçado sozinho da alegre multidão, ou no máximo separadamente, e condenado a sofrer solitariamente enquanto todos os outros proseguem seus folguedos. O medo de uma catástrofe pessoal" (1). Vivenciamos, absortos e absorvidos (mas não absolvidos) diante das nossas TVs um 'show da realidade', ou seja o reality show que está nos, subliminarmente, avisando que seremos 'inevitavelmente' excluídos. Apenas um será o milionário. Confirmar-se e se naturaliza que o hipercapitalismo tem suas razões e suas verdades. Não será e não é preciso que ninguém nos advirta que estamos 'nos assistindo' nos reality shows da vida. Sabemos e naturalizamos que para vencer teremos de lutar para não sermos excluídos. Já nos colocamos como pré-desfiliados. E isso ocorrerá na fila do INSS, na fila do banco, na fila da escola, na fila do espetáculo, nas filas de entrada para a Era do Acesso, onde alguns poucos selecionados podem participar do show e milhares serão seus 'tele-colegas' deste trabalho sob clausura e confinamento.
E onde entra a Saúde no meio deste cenário? sim, as nossas saúdes (que não serão apenas a ausência das doenças) entram na necessidade do que Viktor E. Frankl (2), a quem dedico algum tempo de minhas leituras atuais, afirmou de forma contundente sobre sua experiência no campo de concentração de Auchwitz: "...que o sentido da vida sempre se modifica, mas jamais deixa de existir..., podemos descobrir esse sentido na vida de três diferentes formas: 1. criando um trabalho ou praticando um ato; 2. experimentando algo (como o amor, a beleza, a verdade) ou encontrando alguém; 3. pela atitude que tomamos em relação ao sofrimento inevitável".

A mim, na minha atual condição de saúde vulnerada, me interessa a autotranscendência necessária para o reconhecimento de minhas fragilidades consideradas humanas, inclusive, com o 'direito humano' de me deixar contaminar pela 'cegueira branca das mídias globais'. É, então, diante de minha vulnerabilidade humana que precisarei estar trabalhando, micropoliticamente, pela busca de novos modos de ser e estar no mundo. Tenho, em homenagem a Orwell, a incansável tarefa de humanizar meus atos médicos, realizando as experimentações e pesquisas, com crítica e ética, de todos os avanços que a Medicina e as Biotecnologias em que estou envolvido/capturado. Devo tentar alcançar a proposta de Frankl, ele também médico e psiquiatra. Ele realizou com persistência e nobreza o ato da sobrevivência em um campo de concentração, reforçando que muitas vezes foi o humor, o amor aos seus semelhantes , o reconhecimento de seus algozes da SS como humanos, a resiliência e permanente busca de uma outra forma de saúde, lhe permitiu sair vivo desta experiencia crucial de vida nua, ou seja: buscar aquilo que alguns filósofos existencialistas ensinam, ou seja, tolerar a FALTA DE SENTIDO DA VIDA. Podemos, portanto, mesmo diante de uma situação inexorável e de nossa finitude, afirmar nossa transitoriedade vital e, com coragem e determinação, afastar o medo líquido e certo da Morte, afirmando que a Vida tem um sentido incondicional. O que nos dá um sentido às nossas vidas também dará um sentido às nossas mortes.

Por isso digo, em especial aos que ainda olham como inválidos os que se tornam pessoas com alguma forma de incapacidade ou deficiência, que a Vida vale a pena (sofrimentos criativos) e as penas (sofrimentos patológicos), quando compartilhamos de uma nova linguagem universal. Mais vale ainda se seu sentido e linguagem é propor um novo paradigma ético-estético e político para o viver (Guattari), onde tentamos ser éticos, para ser potência ativa que surge na imanência das práticas para coordenar a vida e escolher a forma de vivê-la, com profundo respeito à Diferença e os Outros. Mais ainda olhando com um olhar para além do olhar, um novo modo de ver/sentir estético e subversivo, rompendo, como criação e criadores permanentes, a pretensa unidade economicista do mundo capitalístico e globalizado atual; e, finalmente, nos afirmando micropoliticamente com a implicação de escolha de que modos de mundo desejamos VIVER e MORRER COM SUAVE DIGNIDADE.

A TODOS E TODAS MEU DESEJO DE UMA SAÚDE PARA ALÉM DA QUE NOS DIZEM SER NECESSÁRIO E INDICADA PARA BEM-VIVER.


(1) Medo Líquido - Zigmunt Bauman - Jorge Zahar Editora - Rio de Janeiro, RJ, 2008.
(2) Em Busca de Sentido - Um Psicólogo no Campo de Concentração - Viktor E. Frankl - Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 2008 - 26ª Edição.

Fonte: nfoAtivo DefNet - nº 4200 - Ano 13 - Março de 2009
EDIÇÃO EXTRA
Editor Responsável - Dr. Jorge Márcio Pereira de Andrade (CREMESP 103282)

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