abril 20, 2009

E a licença-paternidade?

MIRIAN GOLDENBERG

É possível uma efetiva igualdade entre os sexos se a mulher detém, quase exclusivamente, o direito e o dever de cuidar dos filhos?

A COMISSÃO de Direitos Humanos do Senado aprovou, por unanimidade, o projeto que aumenta de quatro para seis meses o período da licença-maternidade. A autora do projeto, senadora Patrícia Saboya (PDT-CE), comemorou dizendo: "Está na hora de respeitar a mulher brasileira e as crianças".

Aplaudimos veementemente a aprovação do projeto e o reconhecimento e a valorização da maternidade. Mas perguntamos: não está também na hora de respeitar o homem brasileiro, ou melhor, a paternidade?

Aparentemente não, pois a mesma senadora propõe um projeto para aumentar a licença-paternidade de cinco para 15 dias, com o objetivo de que os pais possam "ajudar" as mães nos primeiros dias de vida do bebê.

Para ilustrar com uma realidade oposta, na Suécia, a licença de mais de um ano para cuidar do recém-nascido é para ambos os pais. O casal pode decidir quem ficará sem trabalhar para cuidar do bebê: o pai ou a mãe. A proposta visa estimular os homens a assumir um papel ativo na criação dos filhos e propiciar uma divisão mais igualitária das tarefas domésticas.

Todos sabem que os meses iniciais são fundamentais para assegurar a adaptação do bebê ao mundo, o que significa que cuidar de um recém-nascido é muito mais do que apenas garantir o aleitamento materno. Esse tempo é necessário para estabelecer o vínculo afetivo com a criança, indispensável para o seu desenvolvimento emocional e social.

Cinco (ou 15) dias são suficientes para que o pai participe da formação emocional e social da criança, enquanto a mãe deve dedicar seis meses exclusivamente a essa tarefa? É possível pensar em uma efetiva igualdade entre os sexos quando a mulher detém, quase exclusivamente, o direito e o dever de cuidar dos filhos? Esse cuidado não pode (e deve) ser igualmente compartilhado pelos homens?

É verdade que muitos homens recusam ou duvidam da própria competência para o exercício da paternidade. Contudo, é fácil constatar, inclusive com a notável discrepância entre os dois projetos, que aqueles que querem exercer plenamente a paternidade estão impedidos de cuidar de seus filhos, já que as mulheres são percebidas como as legítimas detentoras do saber e do poder nesse âmbito. Elas são consideradas as únicas realmente necessárias no momento inicial de vida, cabendo ao pai, quando muito, a função de "ajudar" a mãe.

Limitados a um papel secundário ou terciário (quando o bebê é cuidado pela avó, babá ou empregada doméstica), são ainda acusados de imaturos, ausentes, irresponsáveis, incompetentes e inadequados como pais. Muitas mulheres vivem a maternidade como um poder que não querem compartilhar e percebem os homens como meros coadjuvantes -ou até mesmo figurantes- em um palco em que a principal estrela é a mãe.

Não é possível questionar a suposta superioridade feminina no domínio privado sem enfrentar uma forte reação das mulheres, inclusive de muitas que lutam pela completa igualdade entre os gêneros. Mas não seria exatamente nesse terreno, completamente dominado pelas mulheres, que se enraizaria a mais profunda desigualdade entre os sexos?

É muito difícil transformar uma realidade social quando ela é vista como da ordem da natureza; natureza que é usada para justificar o papel privilegiado da mãe e para marginalizar ou excluir o pai dos cuidados com o recém-nascido.

No entanto, não existe absolutamente nada na "natureza" masculina que impeça um pai de cuidar, alimentar, acariciar, acalentar e proteger seu bebê, assim como não há uma "natureza" feminina que dê à mãe a autoridade de se afirmar como a única capaz de cuidar do recém-nascido.

Os cinco (ou 15) dias de licença-paternidade e os seis meses de licença-maternidade revelam a enorme desigualdade de gênero em nosso país.

Consolida-se, com esse abismo, o monopólio feminino dos prazeres, encargos e sacrifícios com os filhos. Reforça-se, também, a falta de respeito e de reconhecimento da importância do exercício da função paterna.

Sem desmerecer a conquista das mulheres, muito pelo contrário, é mais do que necessário denunciar a injustiça e a discriminação que sofrem aqueles que querem exercer plenamente a paternidade.

Se as crianças de hoje aprenderem que o pai e a mãe podem ser igualmente disponíveis, atenciosos, responsáveis, protetores, presentes e amorosos, é possível que, em um futuro próximo, tenhamos uma verdadeira igualdade entre homens e mulheres e a crença de que em nenhum domínio (público ou privado) um é superior ou mais necessário do que o outro.

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MIRIAN GOLDENBERG, 50, antropóloga, mestre em educação e doutora em antropologia social, é professora do programa de pós-graduação em sociologia e antropologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). É autora de "Os Novos Desejos", entre outras obras.
São Paulo, terça-feira, 23 de outubro de 2007

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