maio 02, 2008

Menino, eu sou é homem, e como sou

Novas questões colocam em xeque a masculinidade contemporânea
Carlos Haag

Edição Impressa 137 - Julho 2007

Pesquisa FAPESP -

Segundo definição eminentemente científica de Luis Fernando Verissimo, homem que é homem (o chamado HQEH) só vê futebol na TV. Bebendo cerveja. E nada de cebolinhas em conserva! HQEH arrota e não pede desculpas. HQEH não deixa a mulher mostrar a bunda, nem no Carnaval. HQEH não mostra a sua bunda para ninguém. Só no vestiário, com outros homens, e assim mesmo, se olhar por mais de 30 segundos dá briga. Existe um HQEH dentro de cada brasileiro, sepultado sob camadas de civilização, de falsa sofisticação, de propaganda feminina e de acomodação. Se é fácil definir a masculinidade no humor, o HQEH é um “animal” de difícil apreensão pela ciência. “Afinal, o que é ser homem? Essa é uma pergunta de difícil resposta. Sabe-se ainda menos sobre a relação dos homens com a reprodução, sua ótica particular sobre a contracepção e os significados que atribuem à esfera reprodutiva. O fato é que os homens têm constado nas pesquisas de forma secundária, embora participem da concepção das crianças”, observa a antropóloga e doutora em demografia Sandra Garcia, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), autora do estudo recém-lançado Homens na intimidade: masculinidades contemporâneas (Holos Editora/FAPESP), baseado em sua tese de doutorado, apoiada pela FAPESP.

Disposta a incluir o HQEH nas investigações sobre demografia, Sandra foi a campo e entrevistou homens entre 25 e 55 anos, pertencentes às classes médias, para refletir sobre a identidade masculina e as mudanças nas relações de gênero. O resultado foi um misto de estereótipos do HQEH com o chamado “novo homem”. “Ser homem, segundo eles, engloba: ser heterossexual; dar grande importância ao trabalho e ao papel de provedor na identidade masculina; permanência da divisão sexual do trabalho doméstico para os da geração de 1960; manter a dupla moral sexual (“homem pode, mulher não!”). Ao mesmo tempo, há novos conceitos em cena: maior expressão da subjetividade, com possibilidade de demonstrar seus sentimentos para homens e mulheres; nova visão das dimensões do masculino e do feminino; reconhecimento da sexualidade e do prazer femininos; nova abordagem das funções paternas; e, para os da geração de 1970 e 80 em diante, uma nova postura sobre a divisão sexual do trabalho, ainda que com limites colocados pela herança social e mercado. “A identidade de gênero não é mais vista como fixa, embora sua mobilidade não necessariamente indique que a aquisição de novos valores desbanque os antigos. Ao contrário, as ambigüidades surgem justamente porque convivem juntas numa mesma subjetividade e, logo, causam conflitos que esses sujeitos tentam superar nas suas reflexões e práticas”, analisa a pesquisadora.

"Um poeta dizia que o menino é pai do homem”, pondera, com razão, Machado de Assis. “Para a maioria dos informantes, à exceção de alguns da geração de 1980, o modelo de conjugalidade a que estiveram expostos foi rigidamente marcado pelos lugares específicos de homens e mulheres: a mulher dona-de-casa e cuidadora da família e das relações entres seus membros e o homem-provedor, ausente da convivência íntima com os filhos”, nota Sandra. Isso confirma o estudo Homens, esses desconhecidos (também financiado pela FAPESP), coordenado por Maria Coleta de Oliveira, do Núcleo de Estudos da População (Nepo), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Os homens se ressentem da relação com os próprios pais, classificados como ausentes e autoritários, e vêem a paternidade como um fardo excessivo, à medida que exigem ser pais melhores do que aqueles que tiveram”, descreve a pesquisa.

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