janeiro 31, 2011

Enfermeiros-palhaços: quando rir é o melhor remédio

Elena Mandarim

Palhaços Catarina e Custódio se apresentam na pediatria do Hospital da Lagoa: alívio das tensões emocionais durante os procedimentos médicos (foto Diana Herzog)

Quem nunca ouviu que “rir é o melhor remédio”? Com a atuação de palhaços, o programa Enfermaria do Riso leva a experiência do humor para as dependências pediátricas do Hospital Universitário Gaffrée Guinle (HUGG/UniRio), do Hospital da Lagoa e do Instituto Fernandes Figueira (IFF). Segundo a coordenadora Ana Achcar, professora da Escola de Teatro, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), quando se integra ao espaço do hospital, o palhaço consegue redimensionar ludicamente referências médicas, como jalecos, seringas e estetoscópios, contribuindo para aliviar as tensões emocionais dos procedimentos médicos e garantindo atitudes mais positivas das crianças em relação à sua doença. “O enfermeiro-palhaço se dirige ao que ainda é saudável numa criança que está doente: a sua capacidade de brincar e recriar a realidade a sua volta”, diz Ana.

O projeto – primeiro programa do país de formação de estudantes universitários de teatro na linguagem clown (palhaços) para atuação em ambiente hospitalar – teve início em 1998. A primeira oficina de formação de enfermeiros-palhaços ocorreu no ano seguinte e os estudantes começaram as atividades em novembro de 2000, nas enfermarias do HUGG/UniRio. Trabalho que, em abril de 2006, se estendeu ao IFF e, em 2009, ao Hospital da Lagoa. Para começar a atuar como enfermeiro-palhaço, os estudantes têm que cursar disciplinas por três semestres. Quando aptos, eles costumam trabalhar em duplas, durante todo o ano letivo. Habitualmente, eles registram um atendimento médio de 800 pessoas por mês, nos três hospitais.

Ana destaca: “a atuação da FAPERJ tem sido importante, principalmente, pela sensibilidade com que tem diversificado os campos do conhecimento. Os recursos obtidos, por meio do edital de Apoio a Projetos de Extensão e Pesquisa de 2010, têm sido importantíssimos para dar continuidade ao projeto”, diz a coordenadora.

De acordo com Ana, foram os resultados de sua tese de doutorado que embasaram o desenvolvimento da metodologia de formação dos enfermeiros-palhaços, utilizada no Enfermaria do Riso. “Apesar de ter se iniciado como um projeto de extensão, hoje o programa é interdisciplinar, com integração do ensino acadêmico, da extensão social e da pesquisa institucional”, diz.

A formação básica inclui um módulo teórico e outro prático. No primeiro, o estudante passa por um programa de capacitação constituído por três seminários de estudos dirigidos. Cada um enfatiza uma grande área temática entre criança, saúde e palhaço, sempre relacionando a linguagem clown à prática terapêutica. “Acompanhando os seminários, há o que chamamos de supervisão psicológica. Trata-se de sessões de terapia em grupo, que visam amadurecer emocionalmente algumas questões surgidas durante a experiência no hospital, tais como o óbito de uma criança, ou a relação com uma criança sem acompanhante”, acrescenta Ana.

Na parte prática, ministram-se exercícios que ativam a percepção do espaço, do outro e do tempo. Para a pesquisadora, as atividades ajudam na formação de um grupo forte e coeso, capaz de sustentar as variações das experiências que se sucederão dentro do ambiente hospitalar. “Nessa fase, buscamos que cada aluno encontre sua habilidade particular, na intenção de formar uma identidade artística. Introduz-se, também, o trabalho de formação das duplas e investe-se no exercício de técnicas de comicidade”, explica.

Da formação complementar fazem parte minicursos, que enfatizam tanto o conhecimento acerca do crescimento da criança quanto a importância do brinquedo e do próprio ato de brincar. Segundo Ana, há também cursos de extensão ministrados por artistas profissionais convidados, os quais transmitem suas experiências e promovem treinamento específico sobre a atuação de palhaços em hospitais.

Os três pilares do programa

Produção de espetáculos garante que alunos estejam em contato com a prática teatral. Já foram produzidos dois: PalhaSOS e Espera-se (foto Diana Herzog)


Se por um lado, a Enfermaria do Riso promove o exercício dos enfermeiros-palhaços nos hospitais, suas atividades não param por aí. O projeto inclui, por exemplo, cursos e minioficinas direcionados aos profissionais de saúde. “O objetivo é estreitar os laços entre equipe de saúde e os artistas, facilitando o diálogo e a troca de informações. A ação conjunta propicia um processo de tratamento mais eficiente e menos traumático. Com a atuação do palhaço, as crianças se integram à brincadeira e aceitam, mais facilmente, passar pelos procedimentos médicos”, diz a pesquisadora.

Ana conta que o programa abrange ainda a criação de espetáculos pelos alunos, o que garante que estejam sempre em contato com a prática teatral. “Até o momento já produzimos dois. O primeiro, PalhaSOS, que ficou em exibição de 2006 a 2009, ganhou dois prêmios de melhor espetáculo: em Monastir, na Tunísia, considerado o maior evento internacional de teatro universitário do mundo mediterrâneo, e no XII Fiesta, em Perm na Rússia. O segundo, Espera-se, estreou no dia 13 de dezembro de 2010 e estamos torcendo para que faça o mesmo sucesso”, relata.

De acordo com a pesquisadora, o Enfermaria do Riso vem se sobressaindo pela metodologia usada. “Nos encontros internacionais sempre somos anunciados como o único programa de formação universitária de enfermeiros-palhaços”. Para ela, é interessante observar que o progresso do programa ocorreu concomitante com o crescimento do próprio mercado de trabalho. “Hoje, podemos afirmar que há uma demanda de palhaços para atuar em hospitais. Observamos, inclusive, que nossos alunos se destacam nessa nova realidade”, diz.

Apoiado na boa formação dos estudantes, na intensa relação com os profissionais de saúde e na prática dos alunos, por meio da criação de peças teatrais, o Enfermaria do Riso evolui. Segundo Ana, a cada ano o programa ganha mais adeptos, conseguindo assim ampliar o atendimento. Bom para as crianças que por mais que não possam fugir daqueles procedimentos hospitalares, passarão por eles de forma mais descontraída


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