Vilma Homero
Para crianças e adultos de Caxias, a filosofia está sendo uma ferramenta para pensar a realidade à sua volta
O que têm em comum crianças do ensino fundamental e adultos de turmas de alfabetização? Apesar dos anos de diferença de idade que os separam, uns e outros são entusiasmados alunos de filosofia. Filosofia? Sim, isso mesmo, e quem estranhar a resposta, achando o tema pouco palatável para crianças tão pequenas ou para adultos que ainda estão aprendendo os segredos da escrita, pode conferir a experiência que vem sendo bem-sucedida em duas escolas de Duque de Caxias. Ali, o pesquisador Walter Omar Kohan, professor da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), coordena o projeto Em Caxias, a filosofia encaixa?, uma aposta para estimular o pensamento.
Como explica Kohan, professor titular de filosofia da Educação, da Uerj, e pós-doutor pela Universidade de Paris 8, não se trata de ensinar história da filosofia nem as diferenças conceituais entre as várias correntes filosóficas. Ao contrário, o que pretende Kohan é incentivar adultos e crianças de comunidades de baixa renda a pensar. Tem dado certo. Desde 2007, quando deu início ao projeto na Escola Joaquim da Silva Peçanha (um ano depois incorporou-se a Escola Pedro Rodrigues), tem visto crescer o interesse de alunos e professores pelos encontros promovidos. "Não percebemos a filosofia como disciplina; partimos da concepção da filosofia como experiência de pensamento. Ou seja, procuramos criar condições para que as crianças explorem seu pensamento", fala o pesquisador, cujo trabalho tem como eixos promover a formação de professores a partir de práticas filosóficas e desenvolver novas possibilidades de ensino de filosofia nos níveis de ensino infantil e fundamental.
Isso acontece em três momentos. O primeiro deles é o textual, quando a turma é apresentada a um texto escrito ou a um vídeo, que dispara uma questão que a equipe de Kohan acha relevante discutir. "Como a filosofia tem forte relação com o ‘perguntar’, pedíamos que eles fizessem perguntas sobre o que tinham visto ou lido. Em nossos primeiros contatos com os estudantes, observamos que eles não percebiam a importância da pergunta e conseguiam apenas fazer comentários sobre um determinado tema", diz o pesquisador.
No segundo momento, os alunos são levados a um diálogo para ver o que pensam sobre as perguntas levantadas. "Com isso, procuramos compreender e problematizar as perguntas e comentários que foram colocados." No terceiro momento, os alunos tentam construir um conceito a respeito do tema, indo além das opiniões iniciais. Na prática, para Kohan e para os professores que o projeto vem preparando, isso significa, por exemplo, questionar e desenvolver conceitos sobre questões como identidade, verdade, amizade ou justiça. "Em nossos encontros semanais, podemos colocar uma dessas palavras, para que os alunos questionem tudo o que já ouviram a respeito e formulem seu próprio conceito. Isso, sem impormos qualquer resposta, lhes dizendo o que é certo ou errado", explica.
Sobre identidade, por exemplo, os alunos são levados a pensar questões como "quem sou", "como me relaciono", "como quero ser", "qual o sentido da minha vida". Muitas vezes, isso também pode levar a questionar a realidade em torno dos alunos e até o que acontece na própria escola. Exatamente o que pretende Kohan, para quem o sentido de filosofia é justamente esse: aprender a pensar a realidade. "É o próprio crescimento que interessa."
A escolha de Caxias, aliás, também não foi por acaso. "Para nós, a experiência tem sido importante porque mostra que a universidade, no caso a Uerj, está em contato com a comunidade. Nossa ideia também era justamente a de trabalhar em escolas públicas de baixa renda, onde de fato esse aprendizado fizesse diferença. Isso nos ajuda a encontrar sentido para o trabalho acadêmico, ver como modestamente estamos contribuindo para que estas escolas encontrem espaço para o pensamento", enfatiza Kohan. Isso tanto é verdade fisicamente, já que com os recursos da FAPERJ foi possível remodelar e equipar uma sala especialmente para as aulas do projeto, quanto para a própria prática filosófica. Como conta Kohan, houve alunos que, ao passarem de ano e mudarem de turma, pediram permissão para continuar voltando para os encontros semanais.
"Quando os alunos encontram na escola – que em geral eles frequentam por obrigação – um espaço em que se sintam participantes, em que podem dizer o que pensam e onde há quem os escute, que lhes alimenta a sensibilidade e onde tanto quanto os professores eles têm o mesmo direito a se expressar, eles não querem perder essa conquista", explica Kohan. Essa conquista, por sinal, vai além dos muros da escola. "Alguns adultos do curso noturno, para quem os encontros de filosofia eram optativos, nos deram depoimentos de como o projeto afetou sua vida, suas relações no trabalho, falaram como foram capazes de mudar suas avaliações sobre o mundo", entusiasma-se Kohan.
Isso também tem sido possível pelo comprometimento de alguns professores com o projeto e com essas possibilidades de mudança. "Boa parte do trabalho é destinada ao planejamento das aulas, além das reuniões para a troca de experiências e de avaliação", fala o pesquisador. Trabalho que tem sido recompensado ao ver que crianças com dificuldades de aprendizado têm melhorado o aproveitamento escolar. Para alguns professores participantes do projeto, como Vanise de Cássia Dutra Gomes, a experiência foi tema da dissertação de mestrado "Filosofia com crianças na escola pública: possibilidade de experimentar, pensar e ser de outra(s) maneira(s)?", também desenvolvida na Uerj. Tudo isso também levou a Secretaria de Educação de Duque de Caxias a desejar ampliar a experiência para outros colégios do município. "Como o projeto requer profundidade, não pode ser muito massivo. Mas estamos estudando a possibilidade de levar a filosofia a outras escolas. Pensar a realidade ajuda a vida das pessoas, e o que elas pensam vai se refletir em sua vida."
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abril 15, 2011
Aprendendo a pensar com a filosofia
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