A data de 28 de maio ficou estabelecida como o “Dia de Combate à
Mortalidade Materna e de Luta Pela Saúde da Mulher”. No Brasil, estima-se
que sejam realizados mais de um milhão de abortos ilegais todos os
anos, colocando em risco a saúde e a vida de várias mulheres. Com
objetivo de reduzir o problema, a Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC), o Conselho Federal de Psicologia (CFP), e entidades
que apoiam a causa solicitam, por meio de Carta, audiência com o
presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves (PMDB/RN), para
debater a retirada do aborto inseguro no País da esfera criminal.
Na reunião com Alves, as entidades pretendem apresentar dados e
informações técnicas e científicas que comprovem a necessidade de
garantir às mulheres a prática do aborto não criminoso, legal e seguro.
O grupo também questionará a tentativa de instalação, na Câmara, de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o aborto. “Além de não
contribuir com a busca da garantia dos direitos humanos, sexuais e
reprodutivos das mulheres, poderá acarretar imensos prejuízos para a sua
efetivação e eficácia”, diz a Carta.
O documento ressalta, ainda, a preocupação com a saúde das mulheres,
mostrando as consequências do abortamento inseguro. Pesquisa realizada
pelo Instituto Allan Guttmacher (AGI, sigla em inglês), aponta que, em
2005, foram praticados mais de um milhão de abortos clandestinos no
Brasil. Além disso, levantamento do Instituto do Coração (Incor) de São
Paulo revelou que, entre 1995 e 2007, a curetagem pós-abortamento foi a
cirurgia mais comum realizada no sistema público de saúde, com mais de
três milhões de procedimentos.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a prática
contribui significativamente para a mortalidade materna, com 20 milhões
de procedimentos realizados de forma insegura todos os anos no mundo. A
OMS afirma, ainda, que a cada quatro mulheres que praticam aborto
ilegal, pelo menos uma pode apresentar complicações severas e até mesmo
fatais.
Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu o direito às
mulheres de interromper a gravidez no caso de fetos anencéfalos. No
entanto, em outras circunstâncias, o aborto no Brasil é crime previsto
no artigo 128, incisos I e II do Código Penal Brasileiro. A lei, criada
na década de 20, autoriza a interrupção da gestação em apenas dois
casos: risco de vida para a mãe e/ou estupro.
A defesa das mulheres é um assunto histórico para a Psicologia. As
ações envolvem debates sobre a abordagem ao feminino nos meios de
comunicação, além dos efeitos que a mídia produz em relação ao padrão
estético e ético feminino. A importância de implementar uma rede de
atendimento com equipes multiprofissionais para auxiliar as mulheres
vítimas de violência é outro tema que tem sido amplamente trabalhados
pelo CFP nos últimos anos.
Confira a íntegra da carta:
Excelentíssimo Senhor Deputado Henrique Alves, Presidente da Câmara dos Deputados Federais
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e as demais
entidades subscritoras desta petição vêm à presença dessa Augusta
Presidência para SOLICITAR uma AUDIÊNCIA com Vossa Excelência, para que
possam apresentar, pessoalmente, os fundamentos técnicos e científicos
que demonstram ser necessário retirar a discussão do aborto inseguro no
Brasil da esfera do sistema criminal e inseri-la no âmbito da Saúde
Pública, mas, também, para externar o seu inconformismo com a tentativa
de instalação de uma CPI do Aborto nessa Colenda Casa Legislativa.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que os abortamentos
inseguros contribuam significativamente para a mortalidade materna:
neste planeta, 42 milhões de gestações são interrompidas a cada ano;
dessas interrupções, 22 milhões são realizadas nos serviços públicos de
saúde com total segurança para as mulheres; mas, 20 milhões são
realizadas de forma insegura; e, a cada quatro mulheres que praticam um
aborto inseguro, realizado tanto por pessoas sem as habilidades
necessárias e/ou em ambiente que carece de mínimos padrões médicos, pelo
menos uma pode apresentar complicações severas e até mesmo fatais.
O abortamento inseguro constitui causa importante de mortalidade
materna e, por isso, bem como pelas demais consequências que acarreta
para a saúde da mulher, é considerado como uma das mais severas
violações dos direitos reprodutivos das mulheres, embora todas essas
terríveis consequências sejam consideradas evitáveis pela OMS, dês que
seja garantido às mulheres o acesso precoce a um sistema de saúde com
qualidade.
No Brasil, estima-se que sejam realizados, por ano, em torno de um
milhão de abortos em condições de risco para a saúde e a vida das
mulheres. E, infelizmente, essa situação pode ser ainda pior,
justamente em razão das condições restritivas que a legislação
brasileira impõe à prática do abortamento no Brasil, o que deve ser
considerado em face do enorme sub-registro dessas ocorrências.
É por isso que, lançando mão de estimativas, e utilizando-se da mesma
metodologia das pesquisas conduzidas em seis outros países pelo Allan
Guttmacher Institute (AGI), pesquisadores em saúde pública puderam
afirmar, com base na análise dos dados de internação por abortamento no
Brasil, que foram praticados, neste país, em 2005, pelo menos 1.054.243
abortos inseguros3. Além disso, um levantamento de dados conduzido pelo
Instituto do Coração (INCOR) de São Paulo revelou que, no período
compreendido entre 1995 e 2007, a curetagem pós- abortamento foi a
cirurgia mais comum realizada no sistema publico de saúde: mais de três
milhões de procedimentos.
Como se vê, no Brasil, mais de um milhão de mulheres estão expostas,
todos os anos, às consequências nefastas, posto que evitáveis, do
abortamento inseguro. E o Código Penal Brasileiro, que criminaliza o
abortamento, inclusive quando praticado pela própria gestante ou com o
seu consentimento, não tem sido eficaz para estimular as mulheres a não
se submeterem a esse procedimento, não tem contribuído em nada para o
enfrentamento e para a solução desse seríssimo problema e, além de tudo
isso, conduz as mulheres com gestações indesejadas às práticas que
implicam riscos e danos gravíssimos para elas e para toda a sociedade.
A lei restritiva do aborto no Brasil, além de ineficaz e inútil,
produz danos e riscos que poderiam ser evitados ou pelo menos
minimizados pelo sistema de saúde. Mas, criminalização do aborto, que
constitui fator determinante para a sua prática clandestina em situação
de insegurança, afasta as gestantes desse sistema de assistência e
acolhimento e, ainda, contribui para a baixa qualidade da atenção ao
abortamento nos serviços de saúde.
Aliás, em 2011, a Resolução 15/17, do Escritório do Alto Comissariado
dos Direitos Humanos das Nações Unidas, ao fazer uma compilação de
estudos de boas e efetivas práticas adotadas para a eliminação da
morbimortalidade por causas evitáveis, afirmou que os Estados têm
obrigações para com a atenção ao aborto inseguro e constatou que, onde
há poucas restrições sobre a disponibilidade de procedimentos para o
aborto seguro, a morbimortalidade torna-se significativamente reduzida. E
a edição da Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento,
produzida pelo Ministério da Saúde, é uma resposta de gestores e
profissionais de saúde para o cumprimento dos compromissos jurídicos,
éticos e de direitos humanos assumidos pelo governo brasileiro, pois,
pelo menos no estreito âmbito do aborto não criminoso, nas hipóteses
previstas no artigo 128 do CP, bem como nos casos de interrupção de
gestações de anencéfalos, é preciso garantir às mulheres procedimentos
seguros.
É por isso que o Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA), a SPBC e
muitas outras instituições têm trabalhado, intensamente, para garantir a
implantação de serviços públicos de aborto legal e seguro em todo o
Brasil, bem como para que, pelo menos, sejam ampliadas as hipóteses de
excludentes de ilicitude do aborto, exatamente e exclusivamente, para
que a saúde, a vida e os direitos das mulheres sejam garantidos.
Diante do exposto, as entidades que esta subscrevem PEDEM a Vossa
Excelência que as receba em audiência, com a maior brevidade possível,
para que possam apresentar, com maiores detalhes e com maior
profundidade, todos os dados e informações técnicas e científicas hábeis
para comprovar a necessidade de garantir às mulheres a prática do
aborto não criminoso, legal e seguro, bem como, com a devida vênia, para
demonstrar o descabimento e a inconveniência da instalação de uma CPI
sobre o aborto, a qual, além de não contribuir com a busca da garantia
dos direitos humanos, sexuais e reprodutivos das mulheres, poderá
acarretar imensos prejuízos para a sua efetivação e eficácia.
Nesses termos, pedem e esperam deferimento.
Fonte: CFP 29 maio 2013