Artigo publicado nesta sexta sexta-feira, 20 de agosto, no jornal Correio Braziliense destaca a presença dos usuários de saúde mental na sede do governo Federal como evento marcante. Para o CFP, o texto é importante vitória da luta e reconhecimento da relevância da Marcha, realizada em agosto de 2009.
Palácio do Planalto: volta às origens
Brasília, sexta-feira, 20 de agosto de 2010.
Gilberto Carvalho
Chefe do Gabinete Pessoal do presidente da República
Paulo Maldos
Assessor especial do Gabinete Pessoal do presidente da República
Representantes da luta antimanicomial foram recebidos no Palácio do Planalto. No final da reunião, foram convidados para conhecer o gabinete do presidente. Emocionados, circularam entre os móveis, em respeitoso silêncio. Ao deixarem o local, um ex-interno em instituição psiquiátrica sentou-se na cadeira presidencial, enquanto outro lhe apontava a máquina fotográfica. Quando o flash explodiu, um sorriso luminoso inundava o seu rosto. O mais frágil dos excluídos, por um breve instante, sentia-se o mais importante dos brasileiros.
O Palácio do Planalto foi concebido pelo arquiteto Oscar Niemeyer como espaço de fácil contato com a população brasileira. Suas paredes envidraçadas, a ausência de muros e a rampa de ligação com a rua sugerem transparência e acessibilidade. No entanto, o local logo perdeu esse significado: o golpe de Estado de 1964, instaurando a ditadura militar, tornou a sede de governo um símbolo da concentração de poder e do sigilo.
O fim da ditadura, em 1985, e a promulgação da Constituição Federal, em 1988, deram novo alento à participação popular. A cidadania brasileira ganhou impulso para fortalecer as organizações civis, disseminando o protagonismo dos movimentos populares e institucionalizando a participação política da sociedade.
Os presidentes da República eleitos desde 1989 conviveram com a crescente participação da sociedade brasileira e testemunharam o aprendizado dos seus representantes, que iam deixando de ser apenas contestadores e tornando, cada vez mais, propositores de políticas públicas para o país. O Palácio do Planalto, no entanto, permaneceu como espaço de circulação quase exclusiva das elites econômicas e políticas.
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República, em 2002, adquiriu significado especial para as entidades da sociedade civil. O presidente Lula é produto das lutas populares iniciadas nos anos da ditadura, que continuaram com a transição democrática e se desdobraram nos anos 90, propondo novas formas de relação entre o Estado e a sociedade. Enraizado nos movimentos sociais, Lula foi aliado de inúmeras lideranças populares e sindicais e sua eleição trouxe, para o centro do poder, toda uma rede de relações construídas ao longo das últimas décadas.
Os representantes da sociedade civil buscaram manter com o presidente eleito a interlocução estabelecida ao longo dos anos, na certeza de que seriam ouvidos e, principalmente, compreendidos.
A partir daí, o Palácio do Planalto foi tomado pela presença inédita de indígenas, quilombolas, pequenos agricultores, mulheres camponesas, trabalhadores sem terra, moradores de rua, quebradeiras de coco, ribeirinhos, seringueiros, pescadores, atingidos por barragens, sindicalistas, portadores de hanseníase, militantes da luta antimanicomial, do movimento negro, das lutas pelos direitos dos homossexuais, das lutas pelos direitos humanos etc.
A sede de governo foi desmistificada, ocupada física e politicamente por representantes dos setores mais marginalizados historicamente em nosso país. Tais representantes entraram nas suas dependências e foram ali recebidos com respeito.
O Palácio do Planalto parece haver encontrado, finalmente, sintonia com sua concepção original: a transparência física com relação ao seu entorno passou a ser acompanhada pela transparência política com relação aos homens e mulheres comuns. A nossa experiência política indica que a transformação social no Brasil vem ocorrendo como uma caminhada contínua, com o protagonismo dos setores populares, que vêm ocupando os espaços físicos e políticos que lhes dizem respeito.
O Palácio do Planalto, para onde, nestes últimos sete anos, os setores populares vieram trazer sua presença militante, se tornou hoje terreno conhecido e humanizado. Agora que o povo entrou e finalmente se familiarizou com esse espaço símbolo do poder, esperamos que não deixe, nunca mais, de ser seu hóspede mais querido e habitual.
Neste momento de devolução do Palácio do Planalto restaurado desejamos ressaltar a dimensão simbólica desse ato, de entrega ao país de seu centro de poder renovado, que volta a pertencer, de maneira transparente e plena, a todo o povo brasileiro.
Fonte:POL
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